O Chile, desde 11 de março de 2010, é governado pela Renovación Nacional, um partido de direita cujo presidente é o empresário, Sebastián Piñera. Seu ministro da Educação, Harald Beyer, tomou a medida de substituir a palavra “ditadura” por “regime militar” nos livros de história dos estudantes do ensino escolar. O programa oficial, aprovado pelo Conselho nacional da educação em 9 de dezembro de 2011, substituiu na página 31 do programa de história o termo “ditadura” referente ao governo de Augusto Pinochet por “governo militar”. No Chile, há uma vertente conservadora de historiadores que desenvolve uma argumentação segundo a qual o “regime militar” seria o desdobramento inevitável da decadência das instituições democráticas de Salvador Allende. Enquanto isso, há outros que, fundados nos fatos desenrolados naquele 11 de setembro de 1973 quando o palácio La Moneda foi bombardeado pela Força Aérea com o suporte dos Estados Unidos e nas atrocidades cometidas nos 17 anos seguintes contra os direitos humanos de quem se encontrava em território chileno, fossem nacionais ou não. Não foi à toa que a Espanha pediu à Grã-Bretanha a extradição de Pinochet em 1998, quando este se encontrava em Londres para tratamento médico. O ex-ditador chileno ficou em prisão domiciliar por mais de um ano devido à expedição de um mandado de prisão internacional feito por um juiz espanhol, que o acusava de ter cometido crimes de genocídio, terrorismo de Estado e tortura contra espanhóis desaparecidos no Chile durante seu governo. Só não foi extraditado porque Margaret Tatcher, primeira ministra britânica naqueles anos, interveio em favor do “amigo que ajudou muito a combater o comunismo”; e o governo daquele país acabou por indeferir o pedido espanhol, fundado em questões de saúde de Pinochet. Evidente que o governo deste não foi um simples “governo militar” ou “regime militar”. Querer dizer o contrário é, hoje, uma afronta à inteligência. E amanhã? Permitir que Pinochet seja visto como o chefe de um governo militar significa apagar da existência histórica os dramas vividos pela sociedade chilena por tantos e duros anos. Quando a ditadura chegou ao fim em 11 de março de 1990, permitiu-se enfim ao chileno falar sem medo a palavra “ditadura”, sem que isso implicasse em perseguição totalitária da polícia política. O Chile não pode deixar de exercer o direito, por ser este juridicamente indisponível, de ensinar às gerações vindouras o verdadeiro significado do seu Estado naquele sombrio período. A própria Renovación Nacional sempre se opôs a qualificar de ditadura o modo de governar de Pinochet e parece querer, agora que está de volta ao poder, fazer valer administrativamente uma questão que ultrapassa os limites das políticas governamentais.