Archive for ‘Uncategorized’

15 de setembro de 2013

Questão de direito

Por José Afonso da Silva*

O processo da ação penal 470 (mensalão) é complexo e controvertido, dada a quantidade e qualidade das pessoas envolvidas. Sua forte carga política produz visões emotivas e até apaixonadas, incompatíveis com um juízo de valor objetivo. Difícil saber se as condenações foram justas, quando não se tem acesso aos autos do processo.

Por isso, só entro nesse cipoal agora porque se trata apenas de questão de Direito, quanto a saber se cabem ou não embargos infringentes. Um pouco de história pode ajudar solucionar a dúvida.

A Constituição de 1969 dava competência ao Supremo Tribunal Federal para regular, em seu regimento interno, o processo e julgamento dos feitos de sua competência originária, o que ele fez no seu título IX, incluindo os embargos infringentes, quando existirem, no mínimo, quatro votos divergentes (art. 333, parágrafo único).

A Constituição de 1988 não repetiu essa competência, daí a dúvida se assim mesmo ela recepcionou aqueles dispositivos do regimento. O próprio Supremo admitiu essa recepção, pois continuou a aplicar aqueles dispositivos regimentais.

A fundamentação é simples. A Constituição dá ao Supremo a competência originária para processar e julgar infrações penais de certos agentes políticos (art. 102, I, b e c). Quem dá os fins dá os meios, tal a teoria dos poderes implícitos. Os meios à disposição eram as regras do regimento interno, até que viesse uma lei disciplinando a matéria.

Aí é que entra a lei nº 8.038/1990, que disciplinou os processos de competência originária do Supremo, entre os quais o da ação penal originária. Daí a controvérsia sobre se essa lei revogou ou não a previsão regimental dos embargos infringentes. Expressamente não revogou, porque lei revoga lei, não normas infra legais, como as de um regimento. A questão se resolve pela relação de compatibilidade.

Há quem entenda que não há compatibilidade porque não cabe ao regimento disciplinar matéria processual, quando não previsto expressamente na Constituição. É certo. Mas aquela lei não regulou inteiramente o processo da ação penal originária. Só o fez até a instrução, finda a qual o tribunal procederá ao julgamento, “na forma determinada pelo regimento interno” (artigo 12). Logo, se entre essas “formas” está a previsão dos embargos infringentes, não há como entendê-los extintos, porque, por essa remissão, eles se tornaram reconhecidos e assumidos pela própria lei.

Além do mais, a embasar esse entendimento existe o princípio da ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes (art. 5º, LV).

A aceitação dos embargos infringentes pode gerar mudança do resultado do julgamento de algum dos crimes, especialmente tendo em vista a presença de dois novos ministros. Não parece possível a absolvição total, porque os embargos se atêm às divergências que são parciais. Poderá haver diminuição de pena. Contudo, o fato de ministros admirem os embargos não significa necessariamente que os julgarão procedentes com alteração do mérito das condenações.

Enfim, a questão ainda não está resolvida, porque falta o voto de Celso de Mello, grande ministro, sério e competente. Sua história tende à aceitação dos embargos, pois sempre defendeu as garantias dos acusados. Seu voto, qualquer que seja, terá grande repercussão política. Ele sabe disso, mas não teme.

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*José Afonso da Silva escreveu este artigo originariamente em Folha de S. Paulo.

12 de setembro de 2013

Direitos dos outros

Por Janio de Freitas

Com quatro votos dos seis já emitidos, os réus do mensalão que pretendem um reexame das suas acusações contam, hoje, com a melhor probabilidade na decisão do Supremo Tribunal Federal.

Dos cinco votos ainda em falta, dois são dados como contrários à pretensão, e até já bastante prenunciados pelos ministros Marco Aurélio Mello e Gilmar Mendes. A aprovação do reexame, por sua vez, depende apenas de dois dos três votos restantes, dos quais um, o do ministro Ricardo Lewandowski, é tido como já definido. E que se apresente mais um, na mesma linha, dos ministros Cármen Lúcia ou Celso de Mello, não pode surpreender a ninguém.

Mas o julgamento do mensalão deixa a visão de um tratamento prejudicial aos condenados que, por não serem congressistas, normalmente não seriam julgados pelo Supremo Tribunal Federal, mas em processos com tramitação convencional a partir da primeira instância. Como civis comuns, que são.

Decisão majoritária, não unânime, apoiou o desejo do relator Joaquim Barbosa de que os acusados do mensalão fossem todos julgados em conjunto, nas condições próprias de senadores e deputados. Isso, no chamado julgamento do PT, bem entendido, que ao do PSDB foi concedida a tramitação convencional.

O resultado para os não congressistas do mensalão é que, se não tiveram ao menos quatro votos favoráveis, lhes foi retirado o direito de recorrer das sentenças na segunda instância, por ser o STF a última instância judicial, e de pretender o reexame do próprio Supremo.

Ocorre que a Convenção Americana dos Direitos Humanos, mais do que prevê, assegura aos réus condenados, como direito fundamental, o chamado “duplo grau de jurisdição”, ou seja, a possibilidade de recorrer para um exame da acusação e da sentença por instância superior à que as emitiu. Os não congressistas do processo do mensalão perderam o que, em princípio, seria garantido.

Em seu voto contra os “embargos infringentes”, de cuja aprovação depende o reexame, o ministro Joaquim Barbosa pronunciou-se contra o “duplo grau de jurisdição”. O ministro Luiz Fux fez referências à Convenção Americana dos Direitos Humanos em um e em outro sentido, mas sem desviar-se do já esperado acompanhamento ao voto de Joaquim Barbosa.

A Constituição não se ocupa com o “duplo grau de jurisdição”. Mas ainda há pouco o Brasil se empenhou muito, com êxito, na eleição do ex-ministro Paulo Vannuchi para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da OEA. E o fundamento orientador da comissão é a convenção. Assim como é básico na Corte Interamericana de Justiça.

Além da mancha causada pela situação injustamente prejudicial dos réus não congressistas, o julgamento do mensalão deixa um mal-estar em âmbito internacional. Mais uma vez, em razão de direitos humanos.

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Este artigo foi publicado na edição de hoje da Folha de S. Paulo.

11 de setembro de 2013

Último discurso (em português) de Salvador Allende

Por Salvador Allende, em 11 de setembro de 1973

Seguramente, esta será a última oportunidade em que poderei dirigir-me a vocês. A Força Aérea bombardeou as antenas da Rádio Magallanes. Minhas palavras não têm amargura, mas decepção. Que sejam elas um castigo moral para quem traiu seu juramento: soldados do Chile, comandantes-em-chefe titulares, o almirante Merino, que se autodesignou comandante da Armada, e o senhor Mendoza, general rastejante que ainda ontem manifestara sua fidelidade e lealdade ao Governo, e que também se autodenominou diretor geral dos carabineros.

Diante destes fatos só me cabe dizer aos trabalhadores: Não vou renunciar! Colocado numa encruzilhada histórica, pagarei com minha vida a lealdade ao povo. E lhes digo que tenho a certeza de que a semente que entregamos à consciência digna de milhares e milhares de chilenos, não poderá ser ceifada definitivamente. [Eles] têm a força, poderão nos avassalar, mas não se detém os processos sociais nem com o crime nem com a força. A história é nossa e a fazem os povos.

Trabalhadores de minha Pátria: quero agradecer-lhes a lealdade que sempre tiveram, a confiança que depositaram em um homem que foi apenas intérprete de grandes anseios de justiça, que empenhou sua palavra em que respeitaria a Constituição e a lei, e assim o fez.

Neste momento definitivo, o último em que eu poderei dirigir-me a vocês, quero que aproveitem a lição: o capital estrangeiro, o imperialismo, unidos à reação criaram o clima para que as Forças Armadas rompessem sua tradição, que lhes ensinara o general Schneider e reafirmara o comandante Araya, vítimas do mesmo setor social que hoje estará esperando com as mãos livres, reconquistar o poder para seguir defendendo seus lucros e seus privilégios.

Dirijo-me a vocês, sobretudo à mulher simples de nossa terra, à camponesa que nos acreditou, à mãe que soube de nossa preocupação com as crianças. Dirijo-me aos profissionais da Pátria, aos profissionais patriotas que continuaram trabalhando contra a sedição auspiciada pelas associações profissionais, associações classistas que também defenderam os lucros de uma sociedade capitalista. Dirijo-me à juventude, àqueles que cantaram e deram sua alegria e seu espírito de luta. Dirijo-me ao homem do Chile, ao operário, ao camponês, ao intelectual, àqueles que serão perseguidos, porque em nosso país o fascismo está há tempos presente; nos atentados terroristas, explodindo as pontes, cortando as vias férreas, destruindo os oleodutos e os gasodutos, frente ao silêncio daqueles que tinham a obrigação de agir. Estavam comprometidos.

A historia os julgará.

Seguramente a Rádio Magallanes será calada e o metal tranqüilo de minha voz não chegará mais a vocês. Não importa. Vocês continuarão a ouvi-la. Sempre estarei junto a vocês. Pelo menos minha lembrança será a de um homem digno que foi leal à Pátria. O povo deve defender-se, mas não se sacrificar. O povo não deve se deixar arrasar nem tranqüilizar, mas tampouco pode humilhar-se.

Trabalhadores de minha Pátria, tenho fé no Chile e seu destino. Superarão outros homens este momento cinzento e amargo em que a traição pretende impor-se. Saibam que, antes do que se pensa, de novo se abrirão as grandes alamedas por onde passará o homem livre, para construir uma sociedade melhor.

Viva o Chile! Viva o povo! Viva os trabalhadores! Estas são minhas últimas palavras e tenho a certeza de que meu sacrifício não será em vão. Tenho a certeza de que, pelo menos, será uma lição moral que castigará a perfídia, a covardia e a traição.

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Obteu-se este discurso no blogue Escrevinhador de Rodrigo Vianna.

16 de janeiro de 2013

“Habeas corpus” para a população da Cracolândia

Uma das primeiras medidas tomadas pelo governo de São Paulo em 2013, seguindo o roteiro aplicado em Pinheirinho, USP e Cracolândia no ano anterior, foi a adoção de internações involuntárias de dependentes de crack pelas quais o sujeito será recolhido para tratamento independentemente de sua vontade.

A idéia é aplicar tal medida ainda no mês de janeiro, focando sobretudo na Cracolândia do centro da cidade de São Paulo. Para tanto, o Executivo paulista será apoiado por um grupo de juízes, promotores e advogados, encarregados de determinar a internação dos dependentes, de acordo com orientação médica, apesar da opinião dos mesmos.

No dia 11 de janeiro de 2013, o governador Geraldo Alckmin assinou o acordo de cooperação com o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), o Ministério Público de São Paulo (MPSP) e a seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/SP) para agilizar o processo de internação dos dependentes químicos, especialmente em relação aos casos considerados graves que pedem a internação involuntária.

Geraldo Alckmin diz que São Paulo pode realizar cerca de 5.500 internações por ano e garantiu que a Polícia Militar – diferentemente do que ocorrera na Cracolândia em 2012 – não participará das operações. O contato com os dependentes químicos ficará a cargo de assistentes sociais e ex-dependentes.

Já o presidente do TJSP, Ivan Sartori – o mesmo que autorizara o uso da força contra as autoridades federais quando da remoção dos habitantes do Pinheirinho em janeiro de 2012 – quer rapidez na aplicação da Lei 10.216/2001, que, segundo o desembargador, preveria a internação involuntária de dependentes químicos. As internações involuntárias na Cracolândia deverão começar no próximo dia 21 de janeiro.

A Constituição brasileira, no caput do art. 5o, localizado na parte referente aos direitos e garantias fundamentais dos indivíduos, estabelece o princípio da igualdade de todos perante a Lei, garantindo-se a inviolabilidade do direito à liberdade. Entretanto, ao próprio ordenamento jurídico prevê a possibilidade excepcional de supressão deste direito à liberdade. Por ser situação anômala dentro do estatuto normativo, exige-se que qualquer interferência na liberdade individual esteja fundada em lei. É por isso que o inciso II do mesmo art. 5o estabelece que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. A regra é a liberdade, inclusive de locomoção (art. 5o, XV) por todo o território nacional. A exceção deve estar prevista em lei. “Não há crime sem lei anterior que o defina” é o que reza o inciso XXXIX do art. 5o da Constituição.

Dentro da prática cotidiana das relações político-sociais, qualquer ameaça ou violação ao direito de liberdade deve ser examinada pelo Estado através de sua função jurisdicional. O Judiciário deve afastar lesão ou ameaça à liberdade individual (art. 5o, XXXV).

Além de estar prevista legalmente as hipóteses de privação da liberdade, a execução dessa medida pelo Poder Público deve ser determinada após o esgotamento de todo o processo previsto também em lei. Não é à toa que o art. 5o, LIV determina que “ninguém será privado da liberdade […] sem o devido processo legal”. E, se por um acaso, a privação de liberdade for aplicada sem o respeito à lei, o Judiciário deve imediatamente determinar seu relaxamento (art. 5o, LXV) através, especialmente, do “habeas-corpus”, o remédio constitucional contra a violação ou a ameaça de violação da liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder (art. 5o, LXVIII).

O plano de internação involuntária de dependentes químicos, proposto pelo governo de São Paulo para se aplicado imediatamente, é certamente uma situação correspondente à privação do direito de liberdade de locomoção por parte do indivíduo. Resta saber se existe previsão legal que justifique essa medida excepcional.

O presidente do TJSP justificou as internações involuntárias na existência da Lei 10.216/2001. Esta lei trata da proteção e dos direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Vê-se já pela ementa que a lei, que justificaria a internação compulsória dos dependentes químicos, é uma norma específica às pessoas acometidas de transtorno mental, isto é, a lei trata de internação psiquiátrica. A primeira questão que se põe é saber se os termos dependentes químicos e pessoas com transtorno mental se equivalem. Todo dependente químico possui transtorno mental? Embora a resposta seja evidentemente negativa, imagina-se que possa haver gente que seja acometida de transtorno mental por causa da dependência química.

Em vista do cumprimento do devido processo legal, a primeira e a mais importante decisão a tomar é saber se o dependente químico que se pretende internar involuntariamente possui de fato transtorno mental. Daí a necessidade de um laudo médico circunstanciado, que caracterize seus motivos, conforme o art. 6o da Lei 10.216/2001. Para esta lei, internação involuntária é aquela “que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro” (art. 6o, II). Aqui, duas dúvidas surgem: quem é o terceiro autorizado a pedir a internação de outrem? Quem é o destinatário do pedido?

Restringindo-se a esta discussão, não há que se discutir, em vista do caput do art. 127 da Constituição, a possibilidade de o Ministério Público fazer esse pedido. Mas a quem deve ser feito o pedido de internação psiquiátrica involuntária? Ao Judiciário não é, pois o art. 6o, III combinado com o art. 9o da Lei 10.216/2001 prevê que as internações determinadas pela Justiça são chamadas de compulsórias. Por questão de lógica, é ao hospital que se deve pedir a internação involuntária, que só será autorizada por médico registrado no Conselho Regional de Medicina (CRM) do estado onde se localiza o hospital.

Neste caso, em que é um médico que determina a internação involuntária, se o requerente da internação ao hospital não é o Ministério Público, este deve ser comunicado em 72 horas pelo responsável técnico do hospital psiquiátrico (art. 4o, § 1o). Para que a internação determinada por médico seja considerada legal, é preciso que todos os recursos extra-hospitalares tenham se mostrado insuficientes. Além disso, o local de internação involuntária não pode ter características asilares, nos termos da própria Lei 10.216/2001. O fim da internação involuntária acontece por pedido de familiar ou responsável legal, ou quando determinado pelo médico responsável pelo tratamento. De toda a forma, é uma autoridade médica que deve autorizar a saída da mesma forma que foi ela quem autorizou a entrada.

No que concerne os dependentes químicos da Cracolândia, quem fará o pedido de internação involuntária ao hospital psiquiátrico ou o pedido de internação compulsória ao TJSP é o MPSP com base em laudo médico circunstanciado que ateste estar o dependente químico acometido de transtorno mental e de estarem esgotados todos os meios de tratamento extra-hospitalares. Neste caso, ele será recolhido para tratamento em hospital que não possua características asilares, isto é, uma instituição provida de estrutura de assistência integral, incluindo serviços médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer, e outros; que garanta o melhor tratamento do sistema de saúde, o tratamento com humanidade e respeito, a proteção de qualquer forma de abuso e exploração, a presença médica em qualquer tempo para verificar a necessidade de sua hospitalização involuntária, o acesso aos meios de comunicação disponíveis e o tratamento preferencial em serviços comunitários de saúde mental.

Se qualquer desses elementos, previstos em lei, não estiver presente na prática a partir do dia 21 de janeiro de 2013, quando se inicia o programa de internação involuntária de dependentes químicos do estado de São Paulo, a privação do direito de liberdade torna-se ilegal, cabendo a utilização imediata do “habeas corpus” para obrigar o TJSP a afastar a violação à liberdade de locomoção do cidadão.

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P.S.: Como é o TJSP que vai examinar os eventuais pedidos de “habeas corpus”, torna-se completamente indevida sua participação no acordo de internação involuntária, proposto pelo governo de São Paulo.  

 

14 de maio de 2012

O supermercado

Por Carolina P. Fedatto

Hoje é segunda, e de manhã; não sexta, dia que me foi designado para publicar croniquetas n’A rês. Podia escrever em qualquer dia, de qualquer lugar, mas guardava o pequeno texto, seu esboço ou ideia, de modo a que todas as sextas – durante pouco tempo, é verdade – entardecessem com o anúncio de uma nova postagem de minha autoria.

O fato é que há quase dois meses perdi o hábito de encarar os eventos quotidianos com olhos de crítica e fantasia, aqueles olhos que podem transformar bobagens em algo que atire interesse de leitura. Mas esta manhã olhei para umas palavras de Agustina Bessa-Luís sobre o supermercado. E me deu vontade de escrever, também graças aos últimos acontecimentos domésticos: primeiro dia útil no novo escritório, aventuras caseiras pelas redondezas, mercados, utensílios domésticos, recepção de dia das mães. O supermercado faz parte, como nunca, dos dias dessa recém-casada. Vivendo no centro da cidade, trombando com gente o tempo todo, gente boa, pobre, rica, doida, solícita, drogada, apressada, passando, pedindo, morando, eu, que já era sensível às determinações que os espaços impõem, não consegui escapar aos encantos de uma crítica aos grandes mercados como consequência do estilo de vida que as grandes cidades proporcionam.

Quem nunca se alegrou nesses lindos hipermercados com o clima de festa, a iluminação excessiva e a oferta banal de tudo o que pode existir no mundo? E em seguida não se descontentou, dor no fundo dos olhos, com a falta justamente daquilo que procurava, filas espantosas nos caixas e ambições triviais plenamente satisfeitas [ao menos temos sacolas para carregar pão, manteiga, leite, dois travesseiros da NASA, cobertores de microfibra e uma toalha que, ainda não sabemos, vai encolher à primeira lavagem e deixar à mostra a ponta esquerda da mesa de jantar]? Como catedrais da conveniência, os supermercados dão, e isso quem me soprou ao ouvido foi a portuguesa A. Bessa-Luís, “a ilusão de que o sol quando nasce é para todos e que a cultura e a segurança estão ao alcance das pequenas bolsas. Não há polícia, há uma paz de transeunte que a cidade já não oferece.”

Por que será? Será mesmo? Ou seria somente o corpo a corpo com o desconhecido que nos faz temer a cidade sem a intervenção de câmeras de segurança, sem o olhar treinado de agentes estaduais, municipais e privados, sem estacionamento, cobertura ou ar condicionado? Apesar desse medo normal que nos acomete como a grande mão reguladora de mercados, como o grande irmão sempre vigilante, acredito ainda na capacidade de encanto pelo inesperado. É por isso que celebro a liberdade da vida tumultuada em um apartamento alugado no centro. Meio idealista. Mas vejamos novamente o contexto.

Li nos últimos dois meses dois livros de conferências e ensaios de dois grandes escritores estrangeiros. Os discursos de Garcia Marques me encheram de realismo e certezas que caem por terra ao menor sinal de envolvimento e paixão.[1] As interinvenções de Mia Couto acalentaram meu desejo de pés nas nuvens e aquela dificuldade em fazer o que é preciso porque os questionamentos de mundo mais paralisam do que movem.[2] Isso para dizer que não consigo me sentir em casa em ambientes ascéticos e homogêneos. Que se as multidões podem ser perigosas, viver é mesmo muito perigoso, como repetia Guimarães Rosa, e ainda prefiro viver ilusões a viverem uma só ilusão.


[1] Garcia Marques, Gabriel. Eu não vim fazer um discurso. Rio de Janeiro: Record.

[2] Couto, Mia. E se Obama fosse africano? São Paulo: Companhia das Letras.

10 de março de 2012

A Grécia será por muito tempo a terra de ruínas

A Grécia conseguiu convencer seus credores privados a aceitar uma perda de 53,5% do valor das dívidas. Isso significa que desapareceram nos últimos dias cerca de €107 bilhões, o que foi considerado pela Folha de S. Paulo simplesmente o “maior calote da história”. Aparentemente os bancos perderam e a Grécia junto com a Europa se salvaram. Na realidade, é justamente o contrário. Mais uma vez os bancos se salvaram em detrimento do resto da população.

Os credores privados de Grécia trocaram títulos que não possuíam mais qualquer valor por títulos mais seguros. Com essa troca de papéis podres por outros mais saudáveis, eles receberam à vista 15% dos antigos créditos. Faltam então os últimos 31,5%, que são protegidos pela lei britânica para que a Grécia não queira mudar as regras do jogo num futuro próximo. Vale lembrar que o país passará por eleições no mês que vem. Isso significa que os gregos não mais são soberanos sobre suas finanças, tornando-se a primeira colônia da União Européia (UE). Uma importante função do Estado foi transferida a uma instituição internacional.

Além disso, os credores públicos, isto é, o Banco Central Europeu (BCE) e o Fundo Monetário Internacional (FMI), cujos recursos são obtidos dos cofres dos Estados membros, se comprometeram junto aos credores particulares a amenizar as perdas atuais e futuras com o repasse de recursos públicos através dos seguros de crédito contra falência, conhecidos como credit default swaps. O dinheiro de pessoas que diariamente pagam seus tributos em vista da melhoria da infra-estrutura social será utilizado para cobrir o rombo de outras pessoas que irresponsavelmente brincam com a economia internacional.

Se tudo continuar neste caminho, o BCE repassará agora à Grécia cerca de €130 bilhões, conforme o segundo plano europeu de salvamento da economia grega. Entretanto, este montante é vinculado, isto é, possui destinação previamente determinada pela UE. A maior parte do dinheiro sairá de Frankfurt, sede do banco, diretamente para o bolso dos credores privados. Cerca de €35 bilhões serão utilizados para o pagamento à vista dos 15% dos créditos. €35 bilhões devem ser usados para a reaquisição pela Grécia de parte da dívida. Outros €25 bilhões são destinados à recapitalização do setor bancário grego, que não podem ser nacionalizados de forma alguma pela Grécia; diferentemente do que fizeram os Estados Unidos com seus bancos quebrados em 2008.

Para investimento, sobram mais ou menos €35 bilhões, embora o dinheiro seja depositado em conta externa bloqueada, devendo ser disponibilizado apenas se as fases anteriores derem o resultado esperado. Há chance, assim, de que o resto da verba também seja utilizado futuramente para apagar algum incêndio financeiro.

Não podemos esquecer também que o dinheiro do BCE e do FMI não são doações, mas empréstimos. Logo, a Grécia, mais cedo ou mais tarde, terá que pagar também essas novas dívidas. Na verdade, o BCE e o FMI compraram a dívida do setor privado, permanecendo Atenas tão endividada quanto antes. Trata-se apenas da estatização de dívidas particulares.

Se tudo continuar neste caminho, a dívida grega será reduzida em 2% do Produto Interno Bruto (PIB), isto é, sairá dos 161% para os 159%. O FMI, muito entusiasmado, declarou que daqui a oito anos, em 2020, a relação dívida com o PIB na Grécia, alcançará o valor de 120%, o que corresponde ao valor que existia em 2009, quando começou a crise. A Grécia viverá em vão 11 anos… Se tudo der certo.

Como poderá dar certo, entretanto, se a soberania nacional da Grécia já não existe, o salário mínimo reduziu-se em 22%, as aposentadorias são 30% menores, o desemprego está acima de 20%, um programa de privatização é seriamente discutido, reformas da saúde e do trabalho devem acontecer? Como poderá dar certo, se, fora as medidas já tomadas, o país ainda se comprometeu a reduzir os gastos anuais na ordem de três bilhões de euros?

A Grécia será por muito tempo a terra de ruínas.

16 de fevereiro de 2012

Cavalo de Troia

Quase dois anos após o início do tratamento de choque imposto à Grécia pelo Banco Central Europeu (BCE), pela Comissão Europeia (CE) e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), os resultados são catastróficos. Hoje nem mais os criadores das medidas de austeridade acreditam mais no seu sucesso. Presume-se que a Grécia só conseguirá recuperar o fôlego dos tempos de vacas gordas daqui a 50 anos.

A dívida grega, que é o cerne de todo o problema que fazem face os agentes financeiros internacionais para evitar uma bancarrota generalizada, se tudo der certo, estará daqui a nove ano, em 2020, na casa dos 120% do PIB grego, o que representa a mesma taxa que existia em 2009, no início da peleja. Todo o sacrifício exigido dos gregos e dos europeus desde a crise de 2008 foi para nada! Só esse dado bastaria para que se interrompesse a adoção do choque de gestão internacional nas contas gregas. Os seis primeiros acordos internacionais de fixação de medidas de austeridade foram totalmente ineficazes. No domingo, 12 de fevereiro de 2012, obteve-se em Atenas o sétimo memorando de ajuste financeiro. Portugal, Espanha, Irlanda e Itália também tentam seguir a mesma linha. O resultado será inevitavelmente a mesma catástrofe.

Na Grécia, as políticas dos sete memorandos já cortaram a metade dos valores dos salários e das aposentadorias. Em certos casos, as perdas chegam a 70%! A taxa de desemprego chegou a casa do 20%, entre os jovens ela é de 45%, sendo o desemprego feminino jovem correspondente a 50%! As gregas estão sendo obrigada a voltar ao trabalho exclusivamente doméstico.

Os serviços públicos estão liquidados ou privatizados. Dessa forma o numero de leitos nos hospitais diminuem e hoje há 60% do que existia antes de 2009. Com menos oferta de serviços médicos, os preços de internação se inflacionam e poucos são aqueles que conseguem pagar por serviço de saúde. Não há mais distribuição de medicamentos gratuitos. Os subsídios aos deficientes físicos foram sumariamente cortados. As taxas de suicídio aumentar substancialmente nos últimos anos.

O governo grego ainda não foi capaz de entregar aos estudantes o material escolar para o ano letivo que começou em setembro de 2011. Os alunos assistem às aulas no inverno sem o sistema de aquecimento. Inexiste investimento em educação.

O governo grego não eleito, pois foi imposto pelos credores internacionais como aconteceu também na Itália, decidiu adotar medidas ainda mais duras contra a população mais desfavorecida materialmente ao suprimir as convenções coletivas de trabalho, aumentar a desregulamentação do direito trabalhista, reduzir em 22% o salário-mínimo, congelar o salário-mínimo por três anos (até 2015), reduzir em 15% as aposentadorias, demitir 15.000 funcionários públicos agora e mais 150.000 até 2015. A Alemanha, principal economia da zona do euro, pressiona a Grécia para que adote um sistema financeiro paralelo que seria gerido por uma comissão internacional em vista do pagamento dos credores internacionais. Querem que a Grécia abra mão se sua soberania e se torne consequentemente uma colônia.

A Comissão do Direito Internacional das Nações Unidas ao tratar do estado de necessidade afirmou que não se pode exigir que um Estado deixe de prestar os serviços públicos fundamentais (saúde, educação, aposentadoria, justiça), deixando sua população em estado de anarquia para dispor de dinheiro público a ser entregue a credores internacionais. Há limites para a cobrança de dívida de Estados.

Não há como imaginar que as medidas imposta à Grécia possam garantir a sobrevivência do sistema. Os credores já abriram mão de uma parte da dívida, mas querem receber algo. Para isso, a Grécia necessita de dinheiro do BCE, o que causa descontentamento entre os países que também se veem diante da crise, mas ainda possuem maior espaço de manipulação. O fato é que o tempo passa e até para as economias mais sólidas os prazos se vencem. A ideia de que a Grécia deveria deixar a União Europeia cresce dia a dia. Muitos não fazem mais questão de ter os gregos por perto. Um ato egoísta depois de muito aproveitarem do mercado grego para as exportações na bonança.

A Grécia está perdida. Se for abandonada pela Europa, terá que se reconstruir do zero. Se não for abandonada, terá que se tornar uma colônia. O ressentimento grego com o egoísmo europeu existe. O ressentimento europeu com a irresponsabilidade grega existe. Mistura explosiva de ressentimentos que na Europa sempre descamba para a violência interna e depois internacional. Haverá guerra ainda?   Tomara que não!

15 de fevereiro de 2012

América para os americanos

Quase 30 anos depois do fim da Guerra das Malvinas, que ocorreu entre 2 de abril e 14 de junho de 1982, argentinos e britânicos voltam a discutir o estatuto jurídico do arquipélago sob soberania do Reino Unido desde 1833.

Toda vez em que há alguma questão política mais polêmica pressionando o governo de um dos dois Estados, dá-se um jeito de colocar as Malvinas no centro do debate do público. A Argentina foi à guerra em 1982, um ano antes da extinção jurídica de sua sangrenta ditadura militar.

Agora, numa Europa em crise desde 2008 onde as taxas de desemprego sobem vertiginosamente, são os ingleses que decidiram militarizar o arquipélago sul-americano ao enviar uma frota militar ao mar territorial austral.

Em janeiro de 2012, a Grã-Bretanha decidiu encaminhar às ilhas Falkland um destróier HMS Dauntless com o intuito de atualizar a aparelhagem militar do arquipélago. Há informações de que os ingleses teriam também enviado à região um submarino nuclear. Por esse motivo , a Argentina apresentou formalmente uma notificação às Nações Unidas, em Nova York.

Não por coincidência, esteve o príncipe William nas Malvinas para uma missão militar de seis semanas. Para o primeiro-ministro britânico, David Cameron, são os argentinos os colonialistas, pois a Inglaterra exerce a soberania sobre o território há quase dois séculos e a população local de cerca de 3.000 pessoas não demonstra nenhuma reivindicação de estar submetida à autoridade da Argentina.

Cameron tem razão. Não só os ingleses estão nas Malvinas há muitos anos, como a população local se vê como súdita da rainha Elizabeth II. Mas isso não significa ser essa uma solução jurídica definitiva para a reivindicação soberana argentina, pois se sabe que as ilhas geograficamente têm uma grande identidade com o país americano, além de historicamente haver registro de presença de colonos argentinos nas Malvinas na década de 1820, antes do completo domínio britânico.

Os Estados sul-americanos apóiam os argentinos na disputa. O apoio não vem apenas daqueles países que formam o cone-sul e que poderiam se sentir ameaçados com a presença de uma potência econômico-militar a 460Km da costa do continente, mas também daqueles que geograficamente não teriam nada a ganhar com o questionamento da soberania britânica, como é o caso da Venezuela e do Equador.

Em solidariedade à Argentina, o Uruguai organizou em 10 de fevereiro de 2012 um fórum internacional de discussão dedicado às Malvinas e sediado em Punta del Este. O Brasil não permite que aportem em seu território navios com o pavilhão das ilhas britânicas sul-americanas. O Chile, que um dia fora governado por Augusto Pinochet e que apoiara as forças armadas da amiga Margaret Thatcher contra os argentinos, hoje, não estabelece qualquer vínculo com pessoas ou bens provenientes das Malvinas.

 

As Nações Unidas consideram as ilhas como território não-autônomo, isto é, as Malvinas não são consideradas parte do território da Grã-Bretanha, mas uma porção territorial de tipo colonial, submetida à autoridade daquele Estado. Logo, segundo o direito internacional, para a maioria dos membros da comunidade internacional, a titularidade das Malvinas não é um caso encerrado.

Diante da posição desfavorável dos parceiros internacionais, Cameron já anunciou que “Londres defenderá as Falklands”, o que quer dizer que o governo inglês não medirá esforços para proteger as reservas minerais das ilhas que, segundo estudos da empresa Edison Investment Research, valeriam cerca de US$175 bilhões. Nada mal para um país que vê se aproximar a passos largos uma crise econômica sem precedentes no passado recente.

Há quem sugira que a melhor solução seria um compartilhamento de soberania sobre as ilhas em que os dois Estados envolvidos instituiriam uma espécie de condomínio sobre o território insular. Isso implicaria que a Grã-Bretanha, em respeito ao direito internacional, teria que abrir mão de mais de US$80 bilhões em favor da Argentina. Os Estados imperialistas não têm, infelizmente, o hábito de respeitar as normas internacionais quando estão em jogo riquezas minerais, como bem demonstra a tragédia imposta pelo Estados Unidos aos povos do Oriente Médio.

13 de fevereiro de 2012

De Monteiro Lobato a Fernando Henrique: uma pequena história da privatização da Petrobrás

De São Paulo/SP, em 20 de janeiro de 1935, escrevia Monteiro Lobato ao presidente Getulio Vargas carta em que denunciava “as manobras da Standard Oil” para conseguir o direito de explorar as terras potencialmente petrolíferas do Brasil. Segundo ele o Estado deveria se ater ao assunto, uma vez que as melhores jazidas de minérios já estavam nas mãos dos estrangeiros e que o mesmo poderia acontecer com as jazidas de petróleo.

Monteiro Lobato chega a afirmar que possuía uma carta em que o chefe dos serviços geológicos da Standard Oil declarava que a intenção de sua empresa era manter o Brasil em “escravização petrolífera”.

Meses depois, ainda em 1935, Monteiro Lobato se dirige mais uma vez a Getulio para reiterar seu receio de que houvesse agente estrangeiro interessado em atrapalhar as ações da Companhia Petróleos do Brasil de sua propriedade, que funcionava legalmente desde 1932. Segundo ele, havia “gente paga por estrangeiros para que o Brasil não tenha nunca o seu petróleo”.

Declarava-se assim em meados dos anos 1930 guerra pela independência energética do Brasil. Interesses nacionais e estrangeiros, disputas políticas e ideológicas, tornaram a exploração do petróleo nacional uma questão chave para a definição das correntes de desenvolvimento interno. Logo o debate se polarizou entre aqueles que queriam que o Brasil tivesse exclusividade na exploração do eventual petróleo encontrado em seu território e aqueles que achavam que o País deveria abrir suas fronteiras às companhias estrangeiras que possuíam maior conhecimento e tecnologia no setor petrolífero.

O governo de Getulio, nitidamente nacionalista, entrou na batalha editando o Decreto-Lei 395 de 1938, que criou o Conselho Nacional do Petróleo (CNP) que garantia ao Estado brasileiro o controle da exploração do petróleo brasileiro. Os estrangeiros, associados à velha oligarquia nacional que perdera o comando do governo federal na Revolução de 1930, passaram a pressionar de todas as formas o poder constituído em vistas de liberalização do sistema de produção petrolífera.

Em 1946, no governo de Eurico Gaspar Dutra, foi promulgada uma Constituição cujo artigo 153 garantia que o aproveitamento dos recursos minerais depende de autorização ou concessão federal a serem conferidas “exclusivamente a brasileiros ou a sociedades organizadas no País”. Garantiu-se assim o direito exclusivo de os brasileiros explorarem seus recursos minerais, dentre os quais o petróleo.

A partir de 1947, com a vigência da norma constitucional do monopólio nacional, o que era uma disputa dissimulada fica escancarada numa forte batalha político-ideológica aberta em que o cidadão brasileiro foi convidado a tomar partido. Este momento passou a ser conhecido como os anos da campanha “O petróleo é nosso!”, patrocinada pelo Centro de Estudos e Defesa do Petróleo (CEDP). De um lado, estavam os nacionalistas que desejavam que fossem agentes brasileiros que tivessem exclusividade no trabalho sobre os recursos naturais, de outro, ficavam os “entreguistas” que desejavam entregar as riquezas nacionais aos interesses estrangeiros, conforme alertava Monteiro Lobato 12 anos antes.

“O  petróleo é nosso!” foi uma batalha que durou oito anos e é considerada uma das mais polêmicas campanhas políticas da nossa história republicana. O País rachou-se. Os entreguistas encontraram na recém fundada União Democrática Nacional (UDN) o seio ideal onde canalizar suas aspirações políticas. A UDN passou a defender a internacionalização da exploração do petróleo encontrado no Brasil.    

Os nacionalistas, a partir de 1947, começaram a defender a criação de um companhia petrolífera estatal suficientemente forte para que conseguisse arregimentar forças contra as inúmeras estratégias de desestabilização do sistema de monopólio garantido pela Constituição de 1946, realizadas pelas empresas estrangeiras em conluio com setores conservadores da sociedade brasileira.

No fim de 1951, de volta à presidência depois do mandato de Dutra, Getulio enviou ao Congresso Nacional o projeto 1.516 que previa a criação de uma empresa petrolífera de capital misto com controle majoritário da União. No Legislativo, a proposta do presidente foi radicalizada ao se prever um rígido monopólio estatal da exploração do petróleo brasileiro sem qualquer participação de capital privado.

A imprensa entreguista, representada por O Estado de S. Paulo, Diário de Notícias e O Globo, criticava a postura do governo federal e defendia os argumento de privatização do setor petrolífero nacional, sem proibição de entrada de capital estrangeiro em sua constituição. Os jornais oligarcas escancaravam o discurso propondo não só a desistência do projeto nacional de exploração do petróleo do Brasil, mas o convite subserviente e colonialista, em plena Guerra Fria (1945-1991), para que os Estados Unidos aportassem no País para nos defender da ameaça comunista como se o interesse de um povo em se tornar economicamente independente fosse um atestado de filiação ideológica ao marxismo. Uma neurose elitista que infelizmente ainda existe hoje em dia.

A oficialidade estava com o governo federal. O nacionalismo do militares falou mais alto do que as pressões da decadente oligarquia, afastada do poder havia mais de 20 anos. A UDN esperneava, mas não impediu que, depois de 23 meses de intensos debates legislativos no Rio de Janeiro, fosse aprovada a Lei 2.004, de 3 de outubro de 1953 – 23o. aniversário da Revolução de 1930, que criava definitivamente a Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobrás) e lhe garantia o monopólio de exploração, refino e transporte.

A oligarquia rancorosa com os desdobramentos que marcaram o fim da República Velha, só pensava em seus interesses egoístas, como é próprio de toda oligarquia, e queriam a todo custo se livrar de uma vez por todas da figura pública de Getulio, o símbolo dos seus algozes. O capital estrangeiro e a oligarquia decadente se associara contra a criação da Petrobrás. A estatal seria mais uma praga repugnante do varguismo que deveria ser destruída o quanto antes.

A UDN, fortalecida com o patrocínio financeiro e ideológico dos Estados Unidos, enfraqueciam dia a dia o governo federal que, em 1954, se encontrava numa posição de muita fragilidade. A queda de Getulio passou a ser questão de tempo, já que uma parte da oficialidade havia sido convencida pelos entreguistas de que o marxismo se alojara no Catete. Carlos Lacerda, político carioca da UDN, uniu-se a militares golpistas numa estratégia comum para derrubar Getulio. Ele ficaria encarregado de atacá-lo pela Tribuna da Imprensa, acusando-o diariamente de atentados contra os pilares do conservadorismo pátrio. Seu sonho era ser ele o próximo presidente da República. Faltava apenas o golpe de Estado militar e a consequente posse de um civil, pois todos sabem que militar não exerce mandato político.

Só que Lacerda não contava com o suicídio de Getulio em agosto de 1954, que pôs fim ao sonho da velha oligarquia, representada pela UDN, chegar, depois de mais de duas décadas, à chefia da União. Com a mesma cajadada, Getulio também conseguiu frear naquele momento todas as iniciativas estrangeiras de internacionalização da exploração do petróleo brasileiro. Lacerda, a UDN e a Esso teriam que se reorganizar politicamente para atingir os objetivos que pareciam tão próximos. A bala no coração de Getulio foi um gesto de nacionalismo.

A nova investida da UDN para tomar o poder federal das mãos dos nacionalistas se deu em 1961, depois que “forças ocultas” forçaram a renúncia do presidente Jânio Quadros. O mesmo consórcio que tentara assumir o poder em 1954 não aceitava que o vice-presidente, o varguista João Goulart (Jango), assumisse suas funções conforme estabelecia a Constituição de 1946. A campanha da Legalidade sustentada por Leonel Brizola, governador do Rio Grande do Sul, adiou mais uma vez o golpe de Estado oligarca. Mas o varguismo já não estava mais tão forte como nas décadas anteriores, pois, dessa vez, houve um acordo político entre as partes para que Jango assumisse a presidência. Ele seria o presidente só se o regime deixasse de ser presidencialista. Durante aqueles primeiro anos do seu mandato presidencial, o Brasil foi uma República parlamentarista.

Plebiscito de 1963 recolocou a República nos trilhos do presidencialismo. Pela terceira vez o setor mais conservador da sociedade nacional partiu para cima da corrente nacionalista no poder fazia mais de 30 anos a fim de tomar de uma vez por todas as rédeas políticas da União. Com Lacerda incumbido da propaganda, os militares anticomunistas, entre 31 de março de 1o. de abril de 1964, conseguiram, enfim, dar o golpe de Estado e tirar a ameaça vermelha do trabalhismo do poder central. A partir daquele “dia da mentira”, as família brasileiras poderiam dormir mais tranquilas. Deus estava salvo. Sua propriedade estava salva. Só não mencionaram nada quanto à segurança da propriedade nacional.

A Esso, a UDN e Lacerda se regozijaram. Chegara a hora de destruir o Estado brasileiro construído sobre os interesses nacionais e sobre as aspirações de setores mais populares da sociedade. A oligarquia voltava ao poder, junto com o capital internacional. Pouco tempo depois do golpe militar, as forças armadas transfeririam o poder à esfera civil, como mandava a etiqueta golpista. Lacerda seria enfim o presidente do Brasil!

Diferente do que esperava a UDN, os militares passaram a apreciar o gostinho do poder e decidiram unilateralmente romper o acordo com a velha oligarquia, permanecendo no poder por mais de 20 anos até 1985. Como é próprio dos militares, eles odeiam o comunismo, mas têm um profundo respeito ao nacionalismo. A partir do momento em que a presidência não foi ocupada por um civil, mantendo-se sob a batuta das forças armadas, o projeto do capital estrangeiro de entrar de sola na economia nacional não pôde ser aplicada. A Esso viu ruir mais uma vez seu sonho de controlar a exploração petrolífera no Brasil e a União continuou no regime da Constituição de 1967 a ter o monopólio da exploração do petróleo através da Petrobrás.

Com o fim da ditadura militar em 1985, a Constituição seguinte previu a existência de eleições diretas para presidente da República após anos de autoritarismo e ausência de participação política democrática. As eleições estavam marcadas para 1989. Depois de quase 60 anos longe do comando, o setor oligárquico nacional, representado por novos partidos políticos após a extinção da UDN em 1964, decidiu apostar todas as fichas na vitória eleitoral. Primeiro, ela devia acabar com as outras correntes políticas que pudessem ameaçar de novo seu projeto de internacionalização da economia brasileira. Assim, o primeiro alvo foi Leonel Brizola, candidato do PDT, que representava o fantasma da Revolução de 1930. Para isso, concentrou no gaúcho todo o seu armamento de propaganda, representado pela Rede Globo. Com isso, o outro candidato, Luís Inácio Lula da Silva do PT, partido de esquerda surgido no contexto urbano-industrial de São Paulo, teve espaço para expor sua visão de mundo.

Por pouco Brizola não foi para o segundo turno contra o candidato oligárquico, Fernando Collor de Mello, alagoano do PRN. Quem representaria o contra-ponto seria Lula, político bem menos experiente que Brizola. No segundo turno, o candidato do PT passou a sofrer nas mãos da imprensa entreguista ao ponto de ser vítima de manipulação pela Globo em debate televisado dos candidatos, conforme confissão* de Boni, diretor da TV Globo. Nas eleições presidenciais de 1989, deu assim a lógica e os conservadores voltaram ao poder nacional para, enfim, recolocar em prática seu programa de agentes do colonialismo, sua função precípua desde os tempos de Pedro Álvares Cabral.

A partir de 1990, o Brasil foi paulatinamente inserido na lógica entreguista pela adoção das teorias neoliberais desenvolvidas pelos economistas da Escola de Chicago. Os conturbados primeiros anos de redemocratização pelo voto direto com os curtos mandatos de Collor e de Itamar Franco foram suficientes para demonstrar aonde parecia querer ir o País. O setor petrolífero estrangeiro estava animado com os progressos do neoliberalismo na América Latina e esperava ansioso o convite oficial para entrar de sola no Brasil. Sonho que fora adiado insistentemente desde os anos 1930.

Quem veio lhe trazer a boa nova foi o presidente Fernando Henrique Cardoso do PSDB que coordenou desde o início de seu mandato em 1995 um projeto de privatização do patrimônio nacional, conhecido como a privataria tucana** por causa da intensidade de crimes cometidos.

Nesse contexto, foi aprovado um projeto que se tornou a Emenda Constitucional 9 de 1995 que extinguiu o monopólio estatal de exploração do petróleo brasileiro ao alterar a redação do artigo 177. A promulgação da Lei 9.478 de 1997, que criou a Agência Nacional do Petróleo (ANP), complementou o processo de liberalização do setor permitindo a participação do setor privado na pesquisa, exploração, extração, refino, exportação e importação e distribuição de petróleo. Não satisfeito com isso, o capital internacional, diante da ferocidade das privatizações do governo de Fernando Henrique, decidiu dar um passo além. O objetivo agora não era apenas poder entrar no Brasil e concorrer com os brasileiros. O que os estrangeiros desejavam era adquirir a própria Petrobrás. O projeto de privatização da Petrobrás entrou na pauta do consórcio formado pelo PSDB, oligarquia e capital internacional.

Tudo foi discutido internamente, mas houve um momento em que as cartas teriam que ser postas na mesa. Esse momento se deu durante o segundo mandato de Fernando Henrique, no final do ano 2000. Entre o Natal e o Réveillon, no apagar das luzes do ano civil, o governo federal tentou se aproveitar do espírito festivo para publicar sua intenção de mexer na estrutura da Petrobrás.

De fato, em 26 de dezembro de 2000, a estatal anunciava a decisão de mudar seu nome para Petrobrax, pois, segundo seu presidente, o francês Henri Philippe Reichstul, a marca BR seria muito associada ao Brasil e ao Estado brasileiro. Essa mudança foi estudada por cerca de oito meses,  aprovada pelo conselho de administração da empresa e aceita pelo presidente da República. Segundo Reichstul, a Petrobrás perdera “o monopólio em 1997, mas o nome continuava associado a ele”. Mesmo de férias, a opinião pública se levantou contra a decisão entreguista do governo federal.

No dia seguinte, inúmeros congressistas, liderados pelo deputado Vivaldo Barbosa do PDT fluminense, questionaram a decisão unilateral de mudar o nome da Petrobrás. Em 28 de dezembro de 2000, os senadores se dedicaram ao assunto, quando o senador Eduardo Suplicy do PT paulista criticou o gasto de R$70.000.000,00 na mudança do nome da estatal. O senador situacionista, Edison Lobão do PFL maranhense, fazendo o jogo do governo federal em nome dos interesses oligárquicos e estrangeiros, tentou desqualificar o debate, afirmando que a decisão era assunto empresarial e que não cabia ao Legislativo discutir a matéria. O senador paranaense do PMDB, Roberto Requião, pediu a palavra em seguida para acusar a direção da estatal de querer cometer uma “maracutaia” no nome que é símbolo do país. Para concluir, a senadora Heloisa Helena do PT alagoano criticou a mudança e as ações clandestinas feitas pelo governo federal “na calada da noite”, sem qualquer explicação ao povo brasileiro, verdadeiros “donos” da Petrobrás.

No mesmo dia, a Frente Parlamentar Nacionalista (FPN) notificou o Ministério Público sobre o assunto e os sindicalistas do setor passaram a divulgar a notícia segundo a qual a marca Petrobrax seria o primeiro passo para a privatização da empresa estatal. Os deputados da FPN apresentaram no fim do dia à mesa diretora da Câmara dos Deputados em Brasília/DF um projeto de anulação dos atos da Petrobrás relativos à mudança do seu nome, além da entrada de uma ação popular no Judiciário com pedido de liminar suspendendo a mudança da marca.

Diante da pressão da opinião pública, o governo federal desistiu, depois de dois dias, da iniciativa de alteração do nome da estatal. “Não há por que insistir numa providência que não tenha a aprovação da opinião pública”, teria dito o líder do governo Fernando Henrique no Senado, José Roberto Arruda do PSDB. A oligarquia desistiu, mas não se esqueceu de seus compromissos com o capital estrangeiro.

O desgaste da Petrobrax mostrou ao PSDB que a privatização da Petrobrás não seria tão simples quanto foram as anteriores: Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), Sistema de Telecomunicações etc. A estratégia teria que ser mais bem pensada. Ainda mais agora que a opinião pública estava de olho no governo que iniciava a segunda metade do segundo mandato.

Não demorou muito para a oligarquia entreguista encontrar um novo plano de privatização da estatal do petróleo. O governo federal decidiu implementar uma série de modificações na estatal com o intuito de compartimentá-la em várias subsidiárias dedicadas cada uma a distribuição, refino e produção, em oposição ao que pensavam os especialistas nos anos da campanha “O petróleo é nosso!”, entre 1947 e 1953. O objetivo de Fernando Henrique  com fragmentação da empresa era conseguir privatizar a estatal de dentro para fora, sem chamar a atenção da opinião pública, como acontecera naqueles dois dias de dezembro de 2000.

A sorte da Petrobrás foi que Lula conseguiu vencer José Serra nas eleições presidenciais de 2002. Já no início do seu primeiro mandato o presidente nomeou para gerir a estatal José Sérgio Gabrielli que, percebendo a situação de fragmentação interna em que se encontrava a Petrobrás, passou a correr literalmente atrás do prejuízo. Para evitar a privatização, ele visitou inúmeros investidores distribuídos pelo mundo, para informar que a direção se comprometia a estabelecer uma gestão coerente com a natureza jurídica da empresa. Foram 1.200 reuniões só no primeiro ano do primeiro mandato de Lula.

Num segundo momento, Gabrielli analisou as companhias petrolíferas internacionais para concluir que o modelo de gestão do PSDB defendia um modelo incoerente para quem deseja ser competitivo. Decidiu-se assim reintegrar o processo de trabalho da Petrobrás. Depois, iniciou-se um processo de renovação da mão de obra da empresa. Entre 1990 a 2002, isto é, desde a posse de Collor, passando por Itamar e Fernando Henrique até chegar à posse de Lula, a Petrobrás não havia feito nenhum concurso público de ingresso de novos quadros. Como consequência ao investimento em qualidade, a estatal voltou a apresentar bons resultados, mesmo sendo um patrimônio público, o que desmentia as teses neoliberais. Em 2003, a Petrobrás investiu US$5 bilhões. Em 2011, seus investimentos chegaram à casa dos US$43 bilhões! Nada mal para um patrimônio público de 58 anos muito bem vividos. Viva a República! Viva o Brasil!

*Para a confissão de Boni, veja http://www.youtube.com/watch?v=VrpurEkmJkU.

**Para conhecer melhor o fenômeno, vide o livro A Privataria Tucana de Amaury Ribeiro Jr., lançado em dezembro de 2011.

29 de janeiro de 2012

EUA se reconciliam com Talibã contra Karzai

O Qatar, país árabe rico em petrodólares e aliado dos Estados Unidos, é sede de uma rodada preliminar de negociações entre oficiais norte-americanos e representantes do Talibã em vista do fim da Guerra do Afeganistão, iniciada em 7 de outubro de 2001 pelo então presidente George Walker Bush e apoiada pela OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte).

Não é a primeira vez que os Estados Unidos se reúnem com o Talibã para traçar um plano militar comum. Quando os soviéticos invadiram o Afeganistão, em 1979, os Estados Unidos se aliaram militarmente com os mujahidins. Esta operação, batizada de Operação Ciclone pela CIA (“Central Intelligence Agency”), é considerada um dos acordos militares mais longos e caros da história dos Estados Unidos.

Em 3 de julho de 1979, o então presidente Jimmy Carter assinou o decreto de financiamento de uma guerrilha anticomunista no Afeganistão. A operação baseou-se na utilização sistemática da inteligência paquistanesa (ISI) com o suporte de agentes estrangeiros, especialmente britânicos e norte-americanos. Já no mandato de Ronald Reagan, os Estados Unidos implantaram no Afeganistão um comando paramilitar da CIA, a Divisão de Atividades Especiais, para treinar e comandar os mujahidins contra o Exército vermelho. Foi a partir do momento em que a guerrilha se transformou em força paramilitar que surgiu o Talibã. O US Army é o pai do Talibã.

Entre 1979 e 1992, o orçamento público estadunidense destinou anualmente entre três e 20 bilhões de dólares ao exército paramilitar anti-comunista dos mujahidins, que chegou a ter mais de 100.000 combatentes. Dentre esses, estava Osama Bin Laden, bilionário fundador da Al-Qaida, encarregado do recrutamento de combatentes para o Afeganistão.

Décadas depois, a representação do Talibã chega ao Qatar pelo território do Paquistão, apesar do estremecimento das relações entre este e os Estados Unidos quando da operação militar que culminou na execução de Bin Laden. Há expectativa de que os talibãs instalem um escritório permanente no território daquele país.

Trata-se de uma mudança radical de posicionamento do Talibã se comparado ao fato de que, já em 2010, os seus representantes haviam recusado qualquer negociação de paz enquanto os 152.000 militares estrangeiros, comandados pelos oficiais estadunidenses, estivessem no território afegão. O general David Petraeus, em nome das forças armadas dos Estados Unidos, obviamente não aceitou a exigência.

Tudo mudou em 26 de dezembro de 2011, quando membros do Conselho de paz do Afeganistão aceitaram conversar com o Talibã no Qatar a fim de obter enfim uma conciliação. Dias depois Karzai ratificou oficialmente a posição ao concordar com o início das negociações com os talibãs.

Poucos dias depois, os Estados Unidos, à revelia do Afeganistão, tomam a frente das conversas sem a participação de qualquer autoridade afegã. O governo afegão, através do secretário do Conselho de paz Aminundin Muzaffari, já demonstrou preocupação com os termos do acordo, uma vez que nenhuma autoridade daquele país participa das conversas. De Kabul, o presidente Hamid Karzai teria, inclusive, demonstrado grande interesse em se encontrar com os talibãs na Arábia Saudita, que também é aliado dos estadunidenses, nas próximas semanas.

Os Estados Unidos agem no Afeganistão como sempre o fizeram: desconsideram completamente a independência do Estado afegão, tratando-o como uma colônia ou um protetorado em que a soberania se encontra em Washington. O discurso de que a guerra de 2001 tinha o objetivo de livrar o Afeganistão do controle talibã – embora tenham sido os Estados Unidos que deram todas as condições para que o Talibã consolidasse o controle do país no início dos anos 1990 – vai por água abaixo a partir do momento em que o governo estadunidense não permite que o governo afegão exerça as competências próprias de um Estado soberano. Se os afegãos resolverem fazer valer sua soberania contra as ações dos Estados Unidos é bem capaz de haver a inversão de posição, tornando-se Karzai o novo inimigo a ser eliminado pelas forças da liberdade dos talibãs, antigos funcionários da CIA.

Bin Laden com Brzezinski (Conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos entre 1977 e 1981), em treinamento da CIA no Afeganistão.

 

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