11 de agosto de 2017

Nossa experiência com a versão cefálica externa no Hospital Sofia Feldman

Por Carolina P. Fedatto

 

Há um quase consenso no sistema de saúde sobre o parto de bebês pélvicos em primíparas (bebês sentados em mulheres que nunca pariram): eles não podem nascer de parto normal, é preciso fazer uma cesariana, porque haveria uma chance de não ter passagem para a cabeça do bebê. É o chamado “pesadelo obstétrico”, como nomeou um médico que palestrava sobre o assunto num dos cursos de preparação para o parto que fizemos na rede privada de Belo Horizonte. Isso foi lá no início da gestação, quando ainda não estávamos preocupados com a posição do bebê, já que ele se mexe a todo momento até quase o final de sua vida intrauterina. Nessa mesma ocasião, um casal relatou sua experiência de insucesso com todos os recursos disponíveis para virar um bebê pélvico: acupuntura, homeopatia, ginástica, caminhada, lanterna, conversas, música, reza brava e versão cefálica externa. O bebê deles continuou sentado até o final da gravidez e eles decidiram, orientados pelos médicos e sob o pavor de viver um “pesadelo obstétrico”, a fazerem uma cesariana – respeitosa, após entrada em trabalho de parto, etc. final feliz! Nesse dia eu nem sabia que teria que me haver com essa questão alguns meses depois…

Pois então, lá pela 32ª semana de gestação, meu médico anunciou meio receoso: ela está pélvica, vamos ver se ela vira, precisa virar até 34ª, 35ª, depois fica mais difícil, não tem espaço suficiente para uma cambalhota. Saí da consulta desanimadíssima, pois embora não fosse uma notícia trágica, eu sabia – e o médico humanizado que me acompanhava disse claramente – que era um caso para a cesárea que eu não queria fazer. Mas ainda havia esperança de o bebê virar. Orientada pelo médico, fiz de tudo, tentamos todas as conhecidas técnicas naturais: moxabustão no dedinho do pé todo fim de tarde, Pulsatilla três vezes ao dia, bumbum pra lua de 20 em 20 minutos, lanterna mostrando o caminho para a saída, caminhadas como se não houvesse amanhã. Nada!

Comecei, então, a pesquisar sobre a versão cefálica externa (VCE), uma manobra realizada por médicos para virar o bebê por fora da barriga. Há poucos profissionais que fazem a versão, embora seja uma técnica simples, não invasiva, de baixo risco e que oferece cerca 50% de chance para a mãe se livrar da faca e o bebê ter uma experiência ativa de nascimento. Em Belo Horizonte, sei de um ou dois médicos que fazem o procedimento pela rede particular e do Hospital Sofia Feldman, referência em humanização do parto e em práticas integrativas e naturais baseadas em evidências científicas. Foi pra lá que fui quando vi que seria difícil virar aquela menina só com minhas rezas e desejos. Depois de alguns telefonemas, a grávida da zona sul descobriu como ser atendida no hospital do SUS da zona norte! Eu precisava gerar um número de Sisprenatal na unidade de saúde mais próxima da minha casa. Com esse número em mãos, fui para o pronto-atendimento do Sofia conversar sobre a versão. Eu estava com 34 semanas de gravidez. Fiquei esperando umas quatro horas no plantão, pois o hospital atende muitas mulheres em estados bem mais graves que o meu. O atendimento foi ótimo, objetivo, sem frescura nem luxos. Não tem papel higiênico no banheiro, mas a medicina é padrão ouro!

Contamos o caso para a médica de plantão, que nos explicou o procedimento e me pediu para voltar no final da 36ª semana para realizarmos a VCE. Ela nos indicou também a leitura de um estudo francês, conhecido como PREMODA, sobre partos de bebês pélvicos. O estudo mostra que, quando assistido por uma equipe experiente e seguindo algumas recomendações como bebê de até 3,5 kg, parto sem necessidade de intervenções e induções, o parto normal de bebê pélvico não representa maior risco para mãe ou para o bebê do que uma cesárea. Nascem bebês pélvicos de parto normal todos os dias no Sofia! Mas o caso é um enorme tabu entre os médicos da rede privada. Por falta de prática, inexperiência, medo de processos judiciais, são muitos e complexos os fatores que levam mesmo os profissionais que seguem a linha da chamada humanização do parto e têm clara preferência pelos partos normais e naturais a decretarem a necessidade de uma cirurgia nos casos de bebês sentados ou transversos.

Antes de ter que obrigatoriamente me submeter a uma cesariana – já que meu marido não toparia tentar um parto pélvico no Sofia e essas decisões são conjuntas, compartilhadas… – eu ainda podia tentar a VCE! As chances, como disse, eram de 50% de sucesso, dependendo da experiência do médico. Os riscos são bem teóricos, segundo a médica, de haver alguma ruptura de membrana e a necessidade de um parto de urgência. Por isso, o procedimento é feito lá pela 37ª semana, quando o bebê já não é mais considerado pré-maturo. O Sofia tem muita experiência na versão e nunca houve um caso de cesariana de emergência. Os batimentos cardíacos do feto são monitorados durante todo o procedimento e a mãe toma uma medicação para relaxar a musculatura uterina meia hora antes. Li muito sobre a versão na internet. Há vários relatos de que o procedimento é doloroso, de que a mãe não conseguiu prosseguir por causo do desconforto. Há também poucos casos de sucesso. Em muitos relatos, os bebês não viram. E o médico do Sofia me disse que o procedimento, quando funciona, é simples e rápido. Se demorar mais do que cinco, dez minutos é porque o bebê não vai virar. Sabe se lá porque…. Felizmente, não foi o meu caso.

Fui para o Sofia no dia marcado tranquila – não sou de ter medo de dor, aguento bem – e tentando não fantasiar ou criar grandes expectativas. Chegamos cedo. A médica de plantão que nos atendeu no primeiro dia chegou e me direcionou um sorriso de reconhecimento do tipo: ah, é você, da versão, que bom que você veio! Quando deu tempo, ela verificou a disponibilidade do aparelho de ultrassom para que confirmássemos se o bebê continuava pélvico. Eu sabia que sim, sentia que ela não tinha dado cambalhota nenhuma, mas tinha se mexido um pouco…. Entrei na sala de US e constatamos a cabecinha pra cima, a posição da placenta, discussão sobre o melhor lado para tentar a virada. Tudo rápido, porque lá a fila anda! Recebi a medicação para relaxar o útero, uma injeção intramuscular indolor e, em mim, sem reações. Meia hora depois, a médica chamou outros colegas, incluindo um médico mais experiente na versão. Dois estudantes de medicina pediram para assistir o procedimento. Concordamos, claro! Quanto mais gente souber fazer isso, melhor! Ultrassom na barriga e dois médicos com as mãos sobre o bebê: um na pelve, outro na cabeça. Fechei os olhos. Meu marido observava tudo, em pé, na minha frente. Força, força, força. O bebê virou uns 45 graus. Troca de um dos médicos, que assumiu o posto que empurrava a cabeça. Força, força, força. O bebê deu uma escorregadinha, como um peixe, para baixo. Senti o deslizamento dela! Delícia! Todos comemoram com discrição, mas claramente felizes! Virou! Eu senti a força, a pressão das duas mãos na minha barriga, na pele. Nada mais que isso. Não foi dolorido nem incômodo. Queria tanto que desse certo. Não pensava em dor. Pensava que os médicos podiam fazer o que achassem necessário. Deixei que trabalhassem! Foi tudo tão simples, tão mágico. Um verdadeiro presente!

O Hospital Sofia Feldman é a maior maternidade do Brasil, referência em assistência humanizada, de qualidade e gratuita, mas está passando por uma grave crise financeira por falta de repasse de verbas. Há mobilizações marcadas para continuarmos a luta por esse hospital que possibilita a muitas mulheres e bebês uma experiência engajada, responsável e fisiológica de acompanhamento pré-natal e parto.

26 de junho de 2014

Palestra: Biopirataria e Direito Internacional

Palestra de André de Paiva Toledo, durante o I Congresso de Direito, Biotecnologia e Sociedades Tradicionais, organizado pelo BioTecJus, ocorrido na Unisinos, São Leopoldo/RS.

25 de maio de 2014

O pão da vó – ou uma história afetiva do pão

Por Carolina Garcia Padilha Daniel Altimari Codeguesi Fedatto 

 

Minha avó é a primogênita de uma família de seis mulheres. Já meu avô, caçula de seis: cinco homens – Martinho, Mário, Armando e Antonio – e uma mulher, Irma. Muitos desses irmãos se casaram e viveram sempre muito próximos, quase em comunidade, eu diria. Eram descendentes de italianos do norte e do sul misturadas e abrasileiradas no oeste paulista. As mulheres de todas essas famílias faziam pão em casa. Pão caseiro, denso, aromático, delicado, peculiar dessa região, o pão da minha infância, o pão da vó.

Carolina era a minha bisa, mãe de Irene, Maria, Alzira, Aparecida, Geralda e Emília. Era Altimari de pai e Godeguesi de marido. De sua mãe, sabemos que era Emília, Rosante de pai, de mãe não se sabe. Minha outra bisa era Stella, Daniel de pai, Fedatto de marido. Tantos nomes de mulheres que ficaram pelo caminho. E foram essas mulheres de quem não sabemos mais o nome que alimentaram a prática do pão caseiro sem passar receita, pois embora haja receita, e ela seja seguida ao pé da letra e do faro da cozinheira, cada mulher faz um pão com sabor e textura únicos, a sua moda. E esses pães são o orgulho e a desventura delas!

Irene é minha avó. Codeguesi de pai – culpa do escrivão. Fedatto de marido. Não herdei seu nome de pai, só seu nome de marido. Também não recebi o nome de pai de minha avó materna, Valdira – Garcia de pai, só seu nome de marido – Padilha, que é o nome de pai da minha mãe, Fátima. Minha mãe, mesmo não sendo filha da Irene, também fazia pão quando queria me agradar. Pão de batata. Igual ao das mulheres antigas, só que a seu modo.

Ao me receberem em suas casas lá no interior, para breves visitas ou longas férias, vó Irene, tias Alziras, Carmelas e Marias sempre disseram: “Carolina, tem pão! Mas hoje não ficou bom. Não cresceu direito. Sapecou. Ficou feio.” Pura modéstia! Quando o pão era servido, lá estava ele, belo em aparência e aroma, com dois bicos decrescentes, corado, perfumado, irresistível. Na mesa tinha sempre manteiga, queijo, goiabada, leite, café. Mas eu queria mesmo era pão sozinho, como também me confidenciou uma amiga dia desses. Ah essas sensações de simplicidade assustadora que nos reúnem por horas e provocam suspiros!

Só que, mais do que estar à mesa em volta do pão, sempre sofri do desejo de me tornar uma daquelas mulheres que fazem pão; o seu pão, mas, ao mesmo tempo, esse pão coletivo, ancestral, tradicional, familiar. Perdi a conta das vezes em que elas me ensinaram suas receitas. Desde muito cedo coloquei a mão na massa delas. Anotei, palpitei, provei, esperei, mas nunca tive a pretensão de fazer um pão igual ao delas. Descobri que a tradição mais gostosa era essa de ter o hábito de fazer pão, guardar certo parentesco com o resultado final da receita que foi transmitida, mas ter um pão com gosto de seu. O pão da vó, o pão da mãe, o pão da tia e o pão da Cá são iguais e diferentes, são o mesmo e são outros, eles nos unem e nos particularizam e como toda boa tradição são laço, não amarra.

É por essas e outras que não posso deixar de recontar essa história e mostrar a mão da minha avó fazendo pão. Aí vai a receita que ela inventou e anotou para não esquecer. Caderno marcado, pautado, manchado pelo tempo, por sua letra, sua fala, seu entendimento. Receita que não deve ser tomada como uma instrução seguida à risca. É uma receita-inspiração que nos deixa imaginar um savoir faire milenário, que se confunde com a própria história do homem e diz muito sobre a história das mulheres.

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Pão liquidificador (As linhas que seguem são pura poesia)

2 tablete de fermento fleche

3 ovo 2 copo de leite morno

1 colher de sal 2 colher açúcar

5 colher de óleo 1 colher de margarina

Bata tudo no liquidificador

faz a massa pacote de farinha

deixa com bola no copo

Daqui em diante não falo mais nada, deixarei falar a história imagética de um pão que eu pedi pra minha avó fazer numa manhã de domingo nessa mítica cozinha de vó. O olhar é de André de Paiva Toledo:

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ImageImageImageImageImageImageImageImageImageImageImageImageImageImageImageImageImageImageImageImageE pra terminar a história sem muito arremate, só queria dizer que meu avô foi padeiro. Ele e seus irmãos cuidaram de uma panificadora nos anos de juventude. Vô Zico era o encarregado de levantar na madrugada, acender o forno de lenha, desamarrar o cavalo e sair, logo nascido o dia, para entregar pão na freguesia. A casa onde ele mais gostava de passar era a do velho Godeguesi, que tinha seis filhas, as moças mais bonitas da cidade. Irene era enviada pelas irmãs a atender a porta e pegar o pão das mãos do padeirinho que arrastava asa pra ela…

 

13 de março de 2014

Discurso de Jango, na Central do Brasil, em 13.03.1964.

Devo agradecer em primeiro lugar às organizações promotoras deste comício, ao povo em geral e ao bravo povo carioca em particular, a realização, em praça pública, de tão entusiasta e calorosa manifestação. Agradeço aos sindicatos que mobilizaram os seus associados, dirigindo minha saudação a todos os brasileiros que, neste instante, mobilizados nos mais longínquos recantos deste país, me ouvem pela televisão e pelo rádio.
Dirijo-me a todos os brasileiros, não apenas aos que conseguiram adquirir instrução nas escolas, mas também aos milhões de irmãos nossos que dão ao brasil mais do que recebem, que pagam em sofrimento, em miséria, em privações, o direito de ser brasileiro e de trabalhar sol a sol para a grandeza deste país.
Presidente de 80 milhões de brasileiros, quero que minhas palavras sejam bem entendidas por todos os nossos patrícios.
Vou falar em linguagem que pode ser rude, mas é sincera sem subterfúgios, mas é também uma linguagem de esperança de quem quer inspirar confiança no futuro e tem a coragem de enfrentar sem fraquezas a dura realidade do presente.
Aqui estão os meus amigos trabalhadores, vencendo uma campanha de terror ideológico e sabotagem, cuidadosamente organizada para impedir ou perturbar a realização deste memorável encontro entre o povo e o seu presidente, na presença das mais significativas organizações operárias e lideranças populares deste país.
Chegou-se a proclamar, até, que esta concentração seria um ato atentatório ao regime democrático, como se no Brasil a reação ainda fosse a dona da democracia, e a proprietária das praças e das ruas. Desgraçada a democracia se tiver que ser defendida por tais democratas.
Democracia para esses democratas não é o regime da liberdade de reunião para o povo: o que eles querem é uma democracia de povo emudecido, amordaçado nos seus anseios e sufocado nas suas reinvindicações.
A democracia que eles desejam impingir-nos é a democracia antipovo, do anti-sindicato, da anti-reforma, ou seja, aquela que melhor atende aos interesses dos grupos a que eles servem ou representam.
A democracia que eles querem é a democracia para liquidar com a Petrobrás; é a democracia dos monopólios privados, nacionais e internacionais, é a democracia que luta contra os governos populares e que levou Getúlio Vargas ao supremo sacrifício.
Ainda ontem, eu afirmava, envolvido pelo calor do entusiasmo de milhares de trabalhadores no Arsenal da Marinha, que o que está ameaçando o regime democrático neste País não é o povo nas praças, não são os trabalhadores reunidos pacificamente para dizer de suas aspirações ou de sua solidariedade às grandes causas nacionais. Democracia é precisamente isso: o povo livre para manifestar-se, inclusive nas praças públicas, sem que daí possa resultar o mínimo de perigo à segurança das instituições.
Democracia é o que o meu governo vem procurando realizar, como é do seu dever, não só para interpretar os anseios populares, mas também conquistá-los pelos caminhos da legalidade, pelos caminhos do entendimento e da paz social.
Não há ameaça mais séria à democracia do que desconhecer os direitos do povo; não há ameaça mais séria à democracia do que tentar estrangular a voz do povo e de seus legítimos líderes, fazendo calar as suas mais sentidas reinvindicações.
Estaríamos, sim, ameaçando o regime se nos mostrássemos surdos aos reclamos da Nação, que de norte a sul, de leste a oeste levanta o seu grande clamor pelas reformas de estrutura, sobretudo pela reforma agrária, que será como complemento da abolição do cativeiro para dezenas de milhões de brasileiros que vegetam no interior, em revoltantes condições de miséria.
Ameaça à democracia não é vir confraternizar com o povo na rua. Ameaça à democracia é empulhar o povo explorando seus sentimentos cristãos, mistificação de uma indústria do anticomunismo, pois tentar levar o povo a se insurgir contra os grandes e luminosos ensinamentos dos últimos Papas que informam notáveis pronunciamentos das mais expressivas figuras do episcopado brasileiro.
O inolvidável Papa João XXIII é quem nos ensina que a dignidade da pessoa humana exige normalmente como fundamento natural para a vida, o direito ao uso dos bens da terra, ao qual corresponde a obrigação fundamental de conceder uma propriedade privada a todos.
É dentro desta autêntica doutrina cristã que o governo brasileiro vem procurando situar a sua política social, particurlamente a que diz respeito à nossa realidade agrária.
O cristianismo nunca foi o escudo para os privilégios condenados pelos Santos Padres. Nem os rosários podem ser erguidos como armas contra os que reclamam a disseminação da propriedade privada da terra, ainda em mãos de uns poucos afortunados.
Àqueles que reclamam do Presidente de República uma palavra tranqüilizadora para a Nação, o que posso dizer-lhes é que só conquistaremos a paz social pela justiça social.
Perdem seu tempo os que temem que o governo passe a empreender uma ação subversiva na defesa de interesses políticos ou pessoais; como perdem igualmente o seu tempo os que esperam deste governo uma ação repressiva dirigida contra os interesses do povo. Ação repressiva, povo carioca, é a que o governo está praticando e vai amplia-la cada vez mais e mais implacavelmente, assim na Guanabara como em outros estados contra aqueles que especulam com as dificuldades do povo, contra os que exploram o povo e que sonegam gêneros alimentícios e jogam com seus preços.
Ainda ontem, trabalhadores e povo carioca, dentro da associações de cúpula de classes conservadoras, levanta-se a voz contra o Presidente pelo crime de defender o povo contra aqueles que o exploram nas ruas, em seus lares, movidos pela ganância.
Não tiram o sono as manifestações de protesto dos gananciosos, mascarados de frases patrióticas, mas que, na realidade, traduzem suas esperanças e seus propósitos de restabelecer a impunidade para suas atividades anti-sociais.
Não receio ser chamado de subversivo pelo fato de proclamar, e tenho proclamado e continuarei a proclamando em todos os recantos da Pátria – a necessidade da revisão da Constituição, que não atende mais aos anseios do povo e aos anseios do desenvolvimento desta Nação.
Essa Constituição é antiquada, porque legaliza uma estrutura sócio-econômica já superada, injusta e desumana; o povo quer que se amplie a democracia e que se ponha fim aos privilégios de uma minoria; que a propriedade da terra seja acessível a todos; que a todos seja facultado participar da vida política através do voto, podendo votar e ser votado; que se impeça a intervenção do poder econômico nos pleitos eleitorais e seja assegurada a representação de todas as correntes políticas, sem quaisquer discriminações religiosas ou ideológicas.
Todos têm o direito à liberdade de opinião e de manifestar também sem temor o seu pensamento. É um princípio fundamental dos direitos do homem, contido na Carta das Nações Unidas, e que temos o dever de assegurar a todos os brasileiros.
Está nisso o sentido profundo desta grande e incalculável multidão que presta, neste instante, manifestação ao Presidente que, por sua vez, também presta conta ao povo dos seus problemas, de suas atitudes e das providências que vem adotando na luta contra forças poderosas, mas que confia sempre na unidade do povo, das classes trabalhadoras, para encurtar o caminho da nossa emancipação.
É apenas de lamentar que parcelas ainda ponderáveis que tiveram acesso à instrução superior continuem insensíveis, de olhos e ouvidos fechados à realidade nacional.
São certamente, trabalhadores, os piores surdos e os piores cegos, porque poderão, com tanta surdez e tanta cegueira, ser os responsáveis perante a História pelo sangue brasileiro que possa vir a ser derramado, ao pretenderem levantar obstáculos ao progresso do Brasil e à felicidade de seu povo brasileiro.
De minha parte, à frente do Poder Executivo, tudo continuarei fazendo para que o processo democrático siga um caminho pacífico, para que sejam derrubadas as barreiras que impedem a conquista de novas etapas do progresso.
E podeis estar certos, trabalhadores, de que juntos o governo e o povo – operários , camponeses, militares, estudantes, intelectuais e patrões brasileiros, que colocam os interesses da Pátria acima de seus interesses, haveremos de prosseguir de cabeça erguida, a caminhada da emancipação econômica e social deste país.
O nosso lema, trabalhadores do Brasil, é “progresso com justiça, e desenvolvimento com igualdade”.
A maioria dos brasileiros já não se conforma com uma ordem social imperfeita, injusta e desumana. Os milhões que nada têm impacientam-se com a demora, já agora quase insuportável, em receber os dividendos de um progresso tão duramente construído, mas construído também pelos mais humildes.
Vamos continuar lutando pela construção de novas usinas, pela abertura de novas estradas, pela implantação de mais fábricas, por novas escolas, por mais hospitais para o nosso povo sofredor; mas sabemos que nada disso terá sentido se o homem não for assegurado o direito sagrado ao trabalho e uma justa participação nos frutos deste desenvolvimento.
Não, trabalhadores; sabemos muito bem que de nada vale ordenar a miséria, dar-lhe aquela aparência bem comportada com que alguns pretendem enganar o povo. Brasileiros, a hora é das reformas de estrutura, de métodos, de estilo de trabalho e de objetivo. Já sabemos que não é mais possível progredir sem reformar; que não é mais possível admitir que essa estrutura ultrapassada possa realizar o milagre da salvação nacional para milhões de brasileiros que da portentosa civilização industrial conhecem apenas a vida cara, os sofrimentos e as ilusões passadas.
O caminho das reformas é o caminho do progresso pela paz social. Reformar é solucionar pacificamente as contradições de uma ordem econômica e jurídica superada pelas realidades do tempo em que vivemos.
Trabalhadores, acabei de assinar o decreto da SUPRA com o pensamento voltado para a tragédia do irmão brasileiro que sofre no interior de nossa Pátria. Ainda não é aquela reforma agrária pela qual lutamos.
Ainda não é a reformulação de nosso panorama rural empobrecido.
Ainda não é a carta de alforria do camponês abandonado.
Mas é o primeiro passo: uma porta que se abre à solução definitiva do problema agrário brasileiro.
O que se pretende com o decreto que considera de interesse social para efeito de desapropriação as terras que ladeiam eixos rodoviários, leitos de ferrovias, açudes públicos federais e terras beneficiadas por obras de saneamento da União, é tornar produtivas áreas inexploradas ou subutilizadas, ainda submetidas a um comércio especulativo, odioso e intolerável.
Não é justo que o benefício de uma estrada, de um açude ou de uma obra de saneamento vá servir aos interesses dos especuladores de terra, quese apoderaram das margens das estradas e dos açudes. A Rio-Bahia, por exemplo, que custou 70 bilhões de dinheiro do povo, não deve bemeficiar os latifundiários, pela multiplicação do valor de suas propriedades, mas sim o povo.
Não o podemos fazer, por enquanto, trabalhadores, como é de prática corrente em todos os países do mundo civilizado: pagar a desapropriação de terras abandonadas em títulos de dívida pública e a longo prazo.
Reforma agrária com pagamento prévio do latifundio improdutivo, à vista e em dinheiro, não é reforma agrária. É negócio agrário, que interessa apenas ao latifundiário, radicalmente oposto aos interesses do povo brasileiro. Por isso o decreto da SUPRA não é a reforma agrária.
Sem reforma constitucional, trabalhadores, não há reforma agrária. Sem emendar a Constituição, que tem acima de dela o povo e os interesses da Nação, que a ela cabe assegurar, poderemos ter leis agrárias honestas e bem-intencionadas, mas nenhuma delas capaz de modificações estruturais profundas.
Graças à colaboração patriótica e técnica das nossas gloriosas Forças Armadas, em convênios realizados com a SUPRA, graças a essa colaboração, meus patrícios espero que dentro de menos de 60 dias já comecem a ser divididos os latifúndios das beiras das estradas, os latifúndios aos lados das ferrovias e dos açudes construídos com o dinheiro do povo, ao lado das obras de saneamento realizadas com o sacrifício da Nação. E, feito isto, os trabalhadores do campo já poderão, então, ver concretizada, embora em parte, a sua mais sentida e justa reinvindicação, aquela que lhe dará um pedaço de terra para trabalhar, um pedaço de terra para cultivar. Aí, então, o trabalhador e sua família irão trabalhar para si próprios, porque até aqui eles trabalham para o dono da terra, a quem entregam, como aluguel, metade de sua produção. E não se diga, trabalhadores, que há meio de se fazer reforma sem mexer a fundo na Constituição. Em todos os países civilizados do mundo já foi suprimido do texto constitucional parte que obriga a desapropriação por interesse social, a pagamento prévio, a pagamento em dinheiro.
No Japão de pós-guerra, há quase 20 anos, ainda ocupado pelas forças aliadas vitoriosas, sob o patrocínio do comando vencedor, foram distribuídos dois milhões e meio de hectares das melhores terras do país, com indenizações pagas em bônus com 24 anos de prazo, juros de 3,65% ao ano. E quem é que se lembrou de chamar o General MacArthur de subversivo ou extremista?
Na Itália, ocidental e democrática, foram distribuídos um milhão de hectares, em números redondos, na primeira fase de uma reforma agrária cristã e pacífica iniciada há quinze anos, 150 mil famílias foram beneficiadas.
No México, durante os anos de 1932 a 1945, foram distribuídos trinta milhões de hectares, com pagamento das indenizações em títulos da dívida pública, 20 anos de prazo, juros de 5% ao ano, e desapropriação dos latifúndios com base no valor fiscal.
Na Índia foram promulgadas leis que determinam a abolição da grande propriedade mal aproveitada, transferindo as terras para os camponeses.
Essas leis abrangem cerca de 68 milhões de hectares, ou seja, a metade da área cultivada da Índia. Todas as nações do mundo, independentemente de seus regimes políticos, lutam contra a praga do latifúndio improdutivo.
Nações capitalistas, nações socialistas, nações do Ocidente, ou do Oriente, chegaram à conclusão de que não é possível progredir e conviver com o latifúndio.
A reforma agrária não é capricho de um governo ou programa de um partido. É produto da inadiável necessidade de todos os povos do mundo. Aqui no Brasil, constitui a legenda mais viva da reinvindicação do nosso povo, sobretudo daqueles que lutaram no campo.
A reforma agrária é também uma imposição progressista do mercado interno, que necessita aumentar a sua produção para sobreviver.
Os tecidos e os sapatos sobram nas prateleiras das lojas e as nossas fábricas estão produzindo muito abaixo de sua capacidade. Ao mesmo tempo em que isso acontece, as nossas populações mais pobres vestem farrapos e andam descalças, porque não tem dinheiro para comprar.
Assim, a reforma agrária é indispensável não só para aumentar o nível de vida do homem do campo, mas também para dar mais trabalho às industrias e melhor remuneração ao trabalhador urbano.
Interessa, por isso, também a todos os industriais e aos comerciantes. A reforma agrária é necessária, enfim, à nossa vida social e econômica, para que o país possa progredir, em sua indústria e no bem-estar do seu povo.
Como garantir o direito de propriedade autêntico, quando dos quinze milhões de brasileiros que trabalham a terra, no Brasil, apenas dois milhões e meio são proprietários?
O que estamos pretendendo fazer no Brasil, pelo caminho da reforma agrária, não é diferente, pois, do que se fez em todos os países desenvolvidos do mundo. É uma etapa de progresso que precisamos conquistar e que haveremos de conquistar.
Esta manifestação deslumbrante que presenciamos é um testemunho vivo de que a reforma agrária será conquistada para o povo brasileiro. O próprio custo daprodução, trabalhadores, o próprio custo dos gêneros alimentícios está diretamente subordinado às relações entre o homem e a terra. Num país em que se paga aluguéis da terra que sobem a mais de 50 por cento da produção obtida daquela terra, não pode haver gêneros baratos, não pode haver tranquilidade social. No meu Estado, por exemplo, o Estado do deputado Leonel Brizola, 65% da produção de arroz é obtida em terras alugadas e o arrendamento ascende a mais de 55% do valor da produção. O que ocorre no Rio Grande é que um arrendatário de terras para plantio de arroz paga, em cada ano, o valor total da terra que ele trabahou para o proprietário. Esse inquilinato rural desumano é medieval é o grande responsável pela produção insuficiente e cara que torna insuportável o custo de vida para as classes populares em nosso país.
A reforma agrária só prejudica a uma minoria de insensíveis, que deseja manter o povo escravo e a Nação submetida a um miserável padrão de vida.
E é claro, trabalhadores, que só se pode iniciar uma reforma agrária em terras economicamente aproveitáveis. E é claro que não poderíamos começar a reforma agrária, para atender aos anseios do povo, nos Estados do Amazonas ou do Pará. A reforma agrária deve ser iniciada nas terras mais valorizadas e ao lado dos grandes centros de consumo, com transporte fácil para o seu escoamento.
Governo nenhum, trabalhadores, povo nenhum, por maior que seja seu esforço, e até mesmo o seu sacrifício, poderá enfrentar o monstro inflacionário que devora os salários, que inquieta o povo assalariado, se não form efetuadas as reformas de estrutura de base exigidsa pelo povo e reclamadas pela Nação.
Tenho autoridade para lutar pela reforma da atual Constituição, porque esta reforma é indispensável e porque seu objetivo único e exclusivo é abrir o caminho para a solução harmônica dos problemas que afligem o nosso povo.
Não me animam, trabalhadores – e é bom que a nação me ouça – quaisquer propósitos de ordem pessoal. Os grandes beneficiários das reformas serão, acima de todos, o povo brasileiro e os governos que me sucederem. A eles, trabalhadores, desejo entregar uma Nação engrandecida, emancipada e cada vez mais orgulhosa de si mesma, por ter resolvido mais uma vez, pacificamente, os graves problemas que a História nos legou. Dentro de 48 horas, vou entregar à consideração do Congresso Nacional a mensagem presidencial deste ano.
Nela, estão claramente expressas as intenções e os objetivos deste governo. Espero que os senhres congressistas, em seu patriotismo, compreendam o sentido social da ação governamental, que tem por finalidade acelerar o progresso deste país e assegurar aos brasileiros melhores condições de vida e trabalho, pelo caminho da paz e do entendimento, isto é pelo caminho reformista.
Mas estaria faltando ao meu dever se não transmitisse, também, em nome do povo brasileiro, em nome destas 150 ou 200 mil pessoas que aqui estão, caloroso apelo ao Congresso Nacional para que venha ao encontro das reinvindicações populares, para que, em seu patriotismo, sinta os anseios da Nação, que quer abrir caminho, pacífica e democraticamente para melhores dias. Mas também, trabalhadores, quero referir-me a um outro ato que acabo de assinar, interpretando os sentimentos nacionalistas destes país. Acabei de assinar, antes de dirigir-me para esta grande festa cívica, o decreto de encampação de todas as refinarias particulares.
A partir de hoje, trabalhadores brasileiros, a partir deste instante, as refinarias de Capuava, Ipiranga, Manguinhos, Amazonas, e Destilaria Rio Grandense passam a pertencer ao povo, passam a pertencer ao patrimônio nacional.
Procurei, trabalhadores, depois de estudos cuidadosos elaborados por órgãos técnicos, depois de estudos profundos, procurei ser fiel ao espírito da Lei n. 2.004, lei que foi inspirada nos ideais patrióticos e imortais de um brasileiro que também continua imortal em nossa alma e nosso espírito.
Ao anunciar, à frente do povo reunido em praça pública, o decreto de encampação de todas as refinarias de petróleo particulares, desejo prestar homenagem de respeito àquele que sempre esteve presente nos sentimentos do nosso povo, o grande e imortal Presidente Getúlio Vargas.
O imortal e grande patriota Getúlio Vargas tombou, mas o povo continua a caminhada, guiado pelos seus ideais. E eu, particurlamente, vivo hoje momento de profunda emoção ao poder dizer que, com este ato, soube interpretar o sentimento do povo brasileiro.
Alegra-me ver, também, o povo reunido para prestigiar medidas como esta, da maior significação para o desenvolvimento do país e que habilita o Brasil a aproveitar melhor as suas riquezas minerais, especialmente as riquezas criadas pelo monopólio do petróleo. O povo estará sempre presente nas ruas e nas praças públicas, para prestigiar um governo que pratica atos como estes, e também para mostrar às forças reacionárias que há de continuar a sua caminhada, no rumo da emancipação nacional.
Na mensagem que enviei à consideração do Congresso Nacional, estão igualmente consignadas duas outras reformas que o povo brasileiro reclama, porque é exigência do nosso desenvolvimento e da nossa democracia. Refiro-me à reforma eleitoral, à reforma ampla que permita a todos os brasileiros maiores de 18 anos ajudar a decidir dos seus destinos, que permita a todos os brasileiros que lutam pelo engrandecimento do país a influir nos destinos gloriosos do Brasil. Nesta reforma, pugnamos pelo princípio democrático, princípio democrático fundamental, de que todo alistável deve ser também elegível.
Também está consignada na mensagem ao Congresso a reforma universitária, reclamada pelos estudantes brasileiros. Pelos universitários, classe que sempre tem estado corajosamente na vanguarda de todos os movimentos populares nacionalistas.
Ao lado dessas medidas e desses decretos, o governo continua examinando outras providências de fundamental importância para a defesa do povo, especialmente das classes populares.
Dentro de poucas horas, outro decreto será dado ao conhecimento da Nação. É o que vai regulamentar o preço extorsivo dos apartamentos e residências desocupados, preços que chegam a afrontar o povo e o Brasil, oferecidos até mediante o pagamento em dólares. Apartamento no Brasil só pode e só deve ser alugado em cruzeiros, que é dinheiro do povo e a moeda deste país. Estejam tranqüilos que dentro em breve esse decreto será uma realidade.
E realidade há de ser também a rigorosa e implacável fiscalização para seja cumprido. O governo, apesar dos ataques que tem sofrido, apesar dos insultos, não recuará um centímetro sequer na fiscalização que vem exercendo contra a exploração do povo. E faço um apelo ao povo para que ajude o governo na fiscalização dos exploradores do povo, que são também exploradores do Brasil. Aqueles que desrespeitarem a lei, explorando o povo – não interessa o tamanho de sua fortuna, nem o tamanho de seu poder, esteja ele em Olaria ou na Rua do Acre – hão de responder, perante a lei, pelo seu crime.
Aos servidores públicos da Nação, aos médicos, aos engenheiros do serviço público, que também não me têm faltado com seu apoio e o calor de sua solidariedade, posso afirmar que suas reinvindicações justas estão sendo objeto de estudo final e que em breve serão atendidas. Atendidas porque o governo deseja cumprir o seu dever com aqueles que permanentemente cumprem o seu para com o país.
Ao encerrar, trabalhadores, quero dizer que me sinto reconfortado e retemperado para enfrentar a luta que tanto maior será contra nós quanto mais perto estivermos do cumprimento de nosso dever. À medida que esta luta apertar, sei que o povo também apertará sua vontade contra aqueles quenão reconhecem os direitos populares, contra aqueles que exploram o povo e a Nação.
Sei das reações que nos esperam, mas estou tranqüilo, acima de tudo porque sei que o povo brasileiro já está amadurecido, já tem consciência da sua força e da sua unidade, e não faltará com seu apoio às medidas de sentido popular e nacionalista.
Quero agradecer, mais uma vez, esta extraordinária manifestação, em que os nossos mais significativos líderes populares vieram dialogar com o povo brasileiro, especialmente com o bravo povo carioca, a respeito dos problemas que preocupam a Nação e afligem todos os nossos patrícios. Nenhuma força será capaz de impedir que o governo continue a assegurar absoluta liberdade ao povo brasileiro. E, para isto, podemos declarar, com orgulho, que contamos com a compreensão e o patriotismo das bravas e gloriosas Forças Armadas da Nação.
Hoje, com o alto testemunho da Nação e com a solidariedade do povo, reunido na praça que só ao povo pertence, o governo, que é também o povo e que também só ao povo pertence, reafirma os seus propósitos inabaláveis de lutar com todas as suas forças pela reforma da sociedade brasileira. Não apenas pela reforma agrária, mas pela reforma tributária, pela reforma eleitoral ampla, pelo voto do analfabeto, pela elegibilidade de todos os brasileiros, pela pureza da vida democrática, pela emancipação econômica, pela justiça social e pelo progresso do Brasil.

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9 de janeiro de 2014

A Balada de Eduardo Campos

Por Partido dos Trabalhadores*

Por um momento, desses que enchem os incautos de certezas, o governador Eduardo Campos, de Pernambuco, achou que era, enfim, o escolhido.

Beneficiário singular da boa vontade dos governos do PT, de quem se colocou, desde o governo Lula, como aliado preferencial, Campos transformou sua perspectiva de poder em desespero eleitoral, no fim do ano passado.

Estimulado pelos cães de guarda da mídia, decidiu que era hora de se apresentar como candidato a presidente da República – sem projeto, sem conteúdo e, agora se sabe, sem compostura política.

O velho Miguel Arraes, avô de Eduardo Campos, faz bem em já não estar entre nós, porque, ainda estivesse, morreria de desgosto.

E não se trata sequer da questão ideológica, já que a travessia da esquerda para a direita é uma espécie de doença infantil entre certa categoria de políticos brasileiros, um sarampo do oportunismo nacional. Não é isso.

Ao descartar a aliança com o PT e vender a alma à oposição em troca de uma probabilidade distante – a de ser presidente da República –, Campos rifou não apenas sua credibilidade política, mas se mostrou, antes de tudo, um tolo.

Acreditou na mesma mídia que, até então, o tratava como um playboy mimado pelo “lulo-petismo”, essa expressão também infantilóide criada sob encomenda nas redações da imprensa brasileira.

Em meio ao entusiasmo, Campos foi levado a colocar dentro de seu ninho pernambucano o ovo da serpente chamado Marina Silva, este fenômeno da política nacional que, curiosamente, despreza a política fazendo o que de pior se faz em política: praticando o adesismo puro e simples.

Vaidosa e certa, como Campos, de que é a escolhida, Marina virou uma pedra no sapato do governador de Pernambuco, do PSB e da triste mídia reacionária que em torno da dupla pensou em montar uma cidadela.

Como até os tubarões de Boa Viagem sabem que o objetivo de Marina é se viabilizar como cabeça da chapa presidencial pretendia pelo PSB, é bem capaz que o governador esteja pensando com frequência na enrascada em que se meteu.

Eduardo Campos é o resultado de uma série de medidas que incluem a disposição de Lula em levar para Pernambuco a Refinaria Abreu e Lima, em parceria com a Venezuela, depois de uma luta de mais de 50 anos. Sem falar nas obras da transposição do Rio São Francisco e a Transnordestina. Ou do Estaleiro Atlântico Sul, fonte de empregos e prestígio que Campos usou tão bem em suas estratégias eleitorais

Pernambuco recebeu 30 bilhões de reais do Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC, do qual a presidenta Dilma Rousseff foi a principal idealizadora e gestora.

O estado também ganhou sete escolas técnicas federais, além de cinco campi da Universidade Federal Rural construídos para melhorar a vida do estudante do interior.

Eduardo Campos cresceu, politicamente, graças à expansão de programas como Projovem, Samu, Bolsa Família, Luz para Todos, Enem, ProUni e Sisu. Sem falar no Pronasci, que contribuiu para a diminuição da criminalidade no estado, por muito tempo um dos mais violentos do País.

Campos poderia ser grato a tudo isso e, mais à frente, com maturidade e honestidade política, tornar-se o sucessor de um projeto político voltado para o coletivo, e não para o próprio umbigo.

Arrisca-se, agora, a ser lembrado por ter mantido entre seus quadros um secretário de Segurança Pública, Wilson Damázio, que defendeu estupradores com o argumento de que as meninas pobres do Recife, obrigadas a fazer sexo oral com marginais da Polícia Militar, assim agiam por não resistirem ao charme da farda.

“Quem conhece Damázio, sabe que ele não tem esses valores”, lamentou Eduardo Campos.

Quem achava que conhecia o governador do PSB, ao que tudo indica, ainda vai ter muito o que lamentar.

*Este texto foi publicado no perfil do PT no Facebook e reproduzido no blogue Conversa Afiada.

PT_CAMPOS

5 de dezembro de 2013

Marcelo Déda, boas lembranças!

Por Patrus Ananias

A notícia da morte de Marcelo Déda, governador de Sergipe, tocou-me profundamente. Fiquei triste! Sabia que há alguns anos ele vinha lutando pela vida. Mas a morte de pessoas amigas sempre nos pega no contrapé. Sobretudo, quando são pessoas do bem e que muito tinham a oferecer ao nosso país, como é o caso de Déda.

Tenho dele boas lembranças. Nos tempos heróicos do PT, nos primeiros encontros do Partido no início dos anos 1980, ele era uma presença jovem e animada; ótimo contador de casos, bem humorado, animava as nossas festas, ágil e ritmado dançarino que era.

O que ele fazia bem mesmo, acima da competência para as danças e cantorias, era discurso. Esplêndido orador! A relação fácil e amorosa com as palavras juntava emoção na dose certa, compromisso com as causas que defendia e a voz forte, sonora, bem modulada. Era um prazer ouvi-lo, tanto na conversa próxima e espontânea, quanto na tribuna, lugar que ocupava com gosto e brilho.

Prefeito de Aracaju, Governador de Sergipe, revelou outra dimensão de sua talentosa personalidade: admirável homem de ação e administrador público, exímio também na arte de traduzir as palavras em obras e políticas públicas, sempre com a maior correção e honestidade.

Quando uma boa parte dos meios de comunicação, sob o comando da Rede Globo, resolveu confrontar para destruir as políticas públicas sociais implantadas pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome no governo Lula, especialmente o Programa Bolsa Família, muita gente preferiu o silêncio e a discrição. Não foi o caso de Marcelo Déda. Prefeito de Aracaju, convidou-me a ir à capital dos sergipanos – foi o primeiro entre os prefeitos e governadores a fazê-lo! – para defendermos juntos o Bolsa Família e as ações do Fome Zero. Defendeu, com o vigor e entusiasmo que o caracterizavam, a importância dessas ações e contextualizou com precisão a previsível reação das forças conservadoras no País. Visitamos beneficiários do Bolsa Família. Conversamos com o Ministério Público do Estado sobre ações de parcerias para melhor defesa e fiscalização do Bolsa Família. Começamos ali, em Aracaju, a grande reação que salvou e consolidou o Bolsa Família, as políticas públicas do Fome Zero, a rede nacional de proteção e promoção social.

Em 2011, já afastado do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome e sem ocupar cargo público eletivo ou de confiança, fui a Aracaju receber o título de cidadão honorário de Sergipe. Pude, então, consolidar a minha compreensão daadmirável personalidade de Marcelo Déda. Os antigos já ensinavam que a melhor maneira de conhecermos uma pessoa é dando-lhe algum espaço de poder!… Déda no poder jamais perdeu a noção de si mesmo! Tão importante quanto a consciência dos limites do poder, é manter com os amigos, quando estes não estão no poder, a mesma e fraterna relação. O governador Marcelo Déda nos acolheu, a mim e a Vera, com muito carinho e dignidade. Além do almoço que nos ofereceu, esteve, tempo integral, na reunião de entrega do título na Assembléia Legislativa e depois, quando passeava a brisa da noite dos litorais nordestinos, com o entusiasmo de sempre, levou-nos a ver a cidade que tanto amava e conhecia, mostrando-nos lugares históricos, o que fizera e estava fazendo para melhorá-la, especialmente o velho Palácio do Governo, até há pouco abandonado, que ele estava recuperando e que lhe serviu agora de último pouso para a despedida emocionada de seus conterrâneos.

Quando um companheiro da estirpe de Marcelo Déda, aos 53 anos, é arrancado do nosso convívio e das causas que dedicamos nossas vidas, é hora de renovar o nosso juramento, em nome da memória e da presença de Marcelo Déda, com os sonhos e desejos que nos levaram a construir o Partido dos Trabalhadores. Não vamos permitir que eles envelheçam e estiolem. Os tambores, as sanfonas e as violas nos convocam de novo para novas causas e desafios. Em nome de Marcelo Déda, de tantas companheiras e companheiros, vamos responder à convocação da História: estamos presentes! Marcelo Déda está presente!

A notícia da morte de Marcelo Déda, governador de Sergipe, tocou-me profundamente. Fiquei triste! Sabia que há alguns anos ele vinha lutando pela vida. Mas a morte de pessoas amigas sempre nos pega no contrapé. Sobretudo, quando são pessoas do bem e que muito tinham a oferecer ao nosso país, como é o caso de Déda.

Tenho dele boas lembranças. Nos tempos heróicos do PT, nos primeiros encontros do Partido no início dos anos 1980, ele era uma presença jovem e animada; ótimo contador de casos, bem humorado, animava as nossas festas, ágil e ritmado dançarino que era.

O que ele fazia bem mesmo, acima da competência para as danças e cantorias, era discurso. Esplêndido orador! A relação fácil e amorosa com as palavras juntava emoção na dose certa, compromisso com as causas que defendia e a voz forte, sonora, bem modulada. Era um prazer ouvi-lo, tanto na conversa próxima e espontânea, quanto na tribuna, lugar que ocupava com gosto e brilho.

Prefeito de Aracaju, Governador de Sergipe, revelou outra dimensão de sua talentosa personalidade: admirável homem de ação e administrador público, exímio também na arte de traduzir as palavras em obras e políticas públicas, sempre com a maior correção e honestidade.

Quando uma boa parte dos meios de comunicação, sob o comando da Rede Globo, resolveu confrontar para destruir as políticas públicas sociais implantadas pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome no governo Lula, especialmente o Programa Bolsa Família, muita gente preferiu o silêncio e a discrição. Não foi o caso de Marcelo Déda. Prefeito de Aracaju, convidou-me a ir à capital dos sergipanos – foi o primeiro entre os prefeitos e governadores a fazê-lo! – para defendermos juntos o Bolsa Família e as ações do Fome Zero. Defendeu, com o vigor e entusiasmo que o caracterizavam, a importância dessas ações e contextualizou com precisão a previsível reação das forças conservadoras no País. Visitamos beneficiários do Bolsa Família. Conversamos com o Ministério Público do Estado sobre ações de parcerias para melhor defesa e fiscalização do Bolsa Família. Começamos ali, em Aracaju, a grande reação que salvou e consolidou o Bolsa Família, as políticas públicas do Fome Zero, a rede nacional de proteção e promoção social.

Em 2011, já afastado do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome e sem ocupar cargo público eletivo ou de confiança, fui a Aracaju receber o título de cidadão honorário de Sergipe. Pude, então, consolidar a minha compreensão daadmirável personalidade de Marcelo Déda. Os antigos já ensinavam que a melhor maneira de conhecermos uma pessoa é dando-lhe algum espaço de poder!… Déda no poder jamais perdeu a noção de si mesmo! Tão importante quanto a consciência dos limites do poder, é manter com os amigos, quando estes não estão no poder, a mesma e fraterna relação. O governador Marcelo Déda nos acolheu, a mim e a Vera, com muito carinho e dignidade. Além do almoço que nos ofereceu, esteve, tempo integral, na reunião de entrega do título na Assembléia Legislativa e depois, quando passeava a brisa da noite dos litorais nordestinos, com o entusiasmo de sempre, levou-nos a ver a cidade que tanto amava e conhecia, mostrando-nos lugares históricos, o que fizera e estava fazendo para melhorá-la, especialmente o velho Palácio do Governo, até há pouco abandonado, que ele estava recuperando e que lhe serviu agora de último pouso para a despedida emocionada de seus conterrâneos.

Quando um companheiro da estirpe de Marcelo Déda, aos 53 anos, é arrancado do nosso convívio e das causas que dedicamos nossas vidas, é hora de renovar o nosso juramento, em nome da memória e da presença de Marcelo Déda, com os sonhos e desejos que nos levaram a construir o Partido dos Trabalhadores. Não vamos permitir que eles envelheçam e estiolem. Os tambores, as sanfonas e as violas nos convocam de novo para novas causas e desafios. Em nome de Marcelo Déda, de tantas companheiras e companheiros, vamos responder à convocação da História: estamos presentes! Marcelo Déda está presente!

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16 de outubro de 2013

Ex-diretor da Petrobras diz que licitação do Campo de Libra é contra o interesse nacional

Por Alana Gandra*

O diretor do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (IEE-USP), Ildo Sauer, ex-diretor da Petrobras, espera que o Poder Judiciário ainda possa se manifestar para inviabilizar a  licitação do Campo de Libra, primeira na área do pré-sal,  programada para o próximo dia 21, no Rio de Janeiro.  Para Sauer, esse é um ato “contra o interesse nacional”. 

“Sou totalmente contrário”, disse o diretor do IEE-USP à Agência Brasil. “Quem disse que vai ser bom para o país é porque ou deve estar equivocado ou não sabe fazer contas”. Sauer sublinhou que nenhum país do mundo que conseguiu identificar uma nova província petrolífera, ainda mais da importância de Libra, coloca em produção e efetua leilões sem primeiro pesquisar  a fundo qual é o tamanho da reserva.

“Se é para mudar o país, você tem que saber quanto petróleo tem. Nenhum fazendeiro  vende uma fazenda sem saber quantos  bois tem”, argumentou para sinalizar  a necessidade que haja um controle estratégico sobre o ritmo de produção.

Sauer afiançou que o edital de Libra é um equívoco estratégico e contraria o interesse público. Ele salientou que todos os países exportadores controlam o ritmo de produção a partir de interesses de Estado “e não de contratos microeconomicamente outorgados”. Para ele, o melhor regime para países que têm grandes recursos de petróleo é contratar uma empresa 100% estatal, como ocorre,  por exemplo, com a Petróleos da Venezuela (PDVSA).

O diretor da IEE-USP não tem dúvidas que existem outras formas, que não o leilão, que permitem o controle do Estado nacional sobre o ritmo de produção. Ele sugeriu  a contratação direta da Petrobras e avaliou que isso geraria mais benefícios para o Tesouro Nacional do que a partilha convencional no leilão. No caso da contratação da estatal, o contrato de partilha  se assemelharia mais  a um contrato de prestação de serviços, negociado diretamente com a Petrobras que, por sua vez, é controlada pelo  governo.

Sauer considerou “assustadora” a opção do governo federal pelo leilão de Libra e atribuiu  a pressa em licitar a primeira área do pré-sal ao acordo firmado pelo governo brasileiro com os Estados Unidos, em março de 2011, durante a visita do presidente Barack Obama ao Brasil. O acordo  visava a acelerar a produção  dos recursos do pré-sal, “que é o que está sendo feito com  Libra”, para benefício mútuo dos dois países.

“Aos Estados Unidos interessa produzir mais petróleo o quanto antes e reduzir o preço. Para um país que pretende ser exportador, como é o caso do Brasil, interessa controlar o ritmo de produção e  manter o preço elevado”, insistiu. Por isso, Sauer reiterou que é  “assustadora a euforia ingênua” que vê em diversas áreas em relação à licitação de Libra, “principalmente na Presidência da República e na Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis [ANP], como se fossem agentes subalternos do interesse americano”. A espionagem praticada por órgãos dos Estados Unidos em documentos estratégicos do Brasil está vinculada a isso, acredita.

Ildo Sauer sustentou que, atualmente, no mundo, todas as grandes reservas de petróleo  estão nas mãos de empresas 100% estatais ou de Estados nacionais. “Somente uma fração está na mão das grandes multinacionais do passado, como a Exxon, a Shell, a EPP, a British Petroleum”.

O petróleo está no centro de um embate estratégico e geopolítico, disse. De um lado, se encontram os Estados Unidos e a China, buscando acelerar a produção de petróleo de todos os tipos, inclusive o não convencional. Os Estados Unidos já ocupam a terceira posição no ranking dos maiores produtores globais, prestes a ultrapassar a Rússia e aproximando-se da Arábia Saudita.

De outro lado, está a Organização dos Países Produtores de Petróleo (Opep) que, em 2004/2005, conseguiu elevar os preços do petróleo, sustentando-os a partir daí em torno de US$ 100 o barril. Sauer informou que o custo de produzir direto, ou seja, a relação capital e trabalho, está em US$ 1 na Arábia Saudita e em cerca de  US$ 15, no Brasil. Com o acréscimo de transferências obrigatórias, entre as quais impostos e royalties, o preço do produto chega a US$ 40 o barril.

“E tudo que o governo americano, em conjunto com a China  e outros, está fazendo  é buscar quebrar a coordenação da Opep que, junto com a Rússia,  vem mantendo o preço elevado. Eles querem que o preço do petróleo volte a cair para algo como US$ 40 a US$ 50, próximo dos custos de produção”. Essa estratégia, disse Sauer, objetiva fazer com que os benefícios do uso e produção do petróleo vão para quem o consome e não para quem o produz.

O diretor do IEE-USP  disse que é preciso primeiro saber para  que  o Brasil quer o dinheiro do pré-sal. Se é para saúde pública, educação, entre outras áreas, para impedir a repetição de ciclos que se esgotaram, como o do ouro, do café e da borracha, e não deixaram mudanças concretas de qualidade de vida para a população. 

Sauer assegurou que nenhum país  do mundo, que está vinculado ao debate geopolítico e estratégico, renuncia ao controle sobre o ritmo de produção. Isso, apontou, é o  que ocorrerá no contrato de partilha, que vai vigorar nos leilões do pré-sal. Segundo Sauer, esse regime “outorga um contrato que vai sendo resolvido de acordo com o ritmo de produção. Os investimentos serão feitos e o objetivo é o quanto antes converter petróleo em moeda”. Na opinião do ex-diretor da Petrobras, o leilão de Libra é “a maior privatização da história brasileira”.

diretora-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), Magda Chambriard, disse que o leilão do Campo de Libra,  “será um sucesso”, não só pelo tamanho das reservas, estimadas entre 8 bilhões e 12 bilhões de barris de petróleo, mas também pela absorção de investimentos pela indústria local.

Magda garantiu que a mudança do regime de concessão para o sistema de partilha não trará prejuízo para o país. A dirigente salientou que o regime de partilha já faz parte do portfólio de todas as grandes petroleiras globais.

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* Este artigo foi originariamente publicado pela Agência Brasil.
27 de setembro de 2013

O mensalão tucano

*Walter Franganiello Maierovitch

O primeiro mensaleiro tucano acaba de ser condenado. Atenção: em primeira instância e ele não teve foro privilegiado por força de conexão probatória e com relação ao atual deputado Eduardo Azeredo (PSDB).

O mensalão tucano deu certo para a reeleição ao governo de Minas Gerais, em 1998. O mensaleiro reeleito foi Eduardo Azeredo, aquele que se apresentava como o Catão, o censor. Ou melhor, O Catão das Alterosas.

O ‘ciou’ do mensalão tucano foi Marcos Valério. E Valério, depois e com currículum a exibir, ofereceu a sua fórmula de sucesso delinqencial ao Partido dos Trabalhadores. Por seru truno, o PT embarcou com o “nihil obstat” de José Dirceu e sob o seu comando. Tudo com a subserviência de José Genoíno e o ativismo do subalterno Delúbio Soares, um teleguiado de Dirceu.

No particular, tucanos e petistas foram iguais. No quesito originalidade delinquencial, os tucanos ganharam. Os petistas foram os paraguaios da contrafação. Os imitadores, sem originalidade.

Vale frisar que os tucanos contam, no campo da ética e da moralidade pública, com a agravante da reincidência. E isso em face da compra de votos de parlamentares para passar a emenda da reeleição de Fernando Henrique Cardoso (FHC). Com Brindeiro ( aquele apelidado de Engavetador Geral da União) no timão da Procuradoria, a investigação sobre a compra de votos da reeleição não deu em nada e foi para o vinagre um dos princípios fundamentais do pacto social original: Não deixar impunes os crimes e não punir os inocentes.

A propósito de FHC, ninguém lembrou o domínio dos fatos e nem considerou os indícios de suficiência que apontavam para o principal beneficiário do “pacto sceleris”, ou seja, Fernando Henrique Cardoso.

Parêntese. Toda vez que leio ou escrevo sobre o FHC, minha mente corre e se instala na cidade de Nápolis, no magnífico museu nacional de Capodimonte . Lá está o famoso quadro de Pieter Bruegel, elaborado em 1568, e com o título “cego guiando cegos” (Ciechi: la parábola dei ciechi). Lógico, na direção do precipício. Fechado o parêntese.

O condenado em primeiro grau no mensalão tucano foi Nélio Brant Magalhães, ex-diretor do banco Rural. Aliás, o mesmo banco Rural do outro mensalão.

Nélio vai poder recorrer em liberdade para o Tribunal Regional Federal. Depois, poderá bater à porta do Superior Tribunal de Justiça e, até, chegar ao Supremo Tribunal Federal. Tudo, se vivo for, pois a Justiça é lenta. A denúncia no mensalão tucano é de novembro de 2008 e a do mensalão petista foi recebida em 27 de agosto de 2007. No mensalão tucano, o STF reservou-se para julgar Azeredo por foro de prerrogativa de função e enviou a raia-miúda para a instância inferior. A raia-miúda, no mensalão petista, ficou sob a jurisdição suprema. Em outras palavras e processualmente ( p r o c e s s u a l m e n t e ), dois pesos e duas medidas. E o STF sempre surpreende: com relação à perda do mandato de Donadan, o STF empurrou para a Câmara (relatora Carmem Lúcia) e a do corrupto João Paulo Cunha, o excelso Pretório resolveu ele mesmo cassar.

Com contradições e tratamentos processuais diversos, seguem os dois mensalões: Ação Penal 470 e Ação Penal 536, agora sob relatoria do ministro Barroso. No fundo, os protagonistas são dois desqualificados: o empresário e lobista José Dirceu e o pluri-picareta do Eduardo Azeredo, ainda não condenado.

E viva o Brasil.

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*Este artigo está publicado no perfil do facebook de Walter Fanganiello Maierovitch.

22 de setembro de 2013

Dirceu foi condenado sem provas, diz Ives Gandra

Por Mônica Bergamo*

O ex-ministro José Dirceu foi condenado sem provas. A teoria do domínio do fato foi adotada de forma inédita pelo STF (Supremo Tribunal Federal) para condená-lo.

Sua adoção traz uma insegurança jurídica “monumental”: a partir de agora, mesmo um inocente pode ser condenado com base apenas em presunções e indícios.

Quem diz isso não é um petista fiel ao principal réu do mensalão. E sim o jurista Ives Gandra Martins, 78, que se situa no polo oposto do espectro político e divergiu “sempre e muito” de Dirceu.

Com 56 anos de advocacia e dezenas de livros publicados, inclusive em parceria com alguns ministros do STF, Gandra, professor emérito da Universidade Mackenzie, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e da Escola Superior de Guerra, diz que o julgamento do escândalo do mensalão tem dois lados.

Um deles é positivo: abre a expectativa de “um novo país” em que políticos corruptos seriam punidos.

O outro é ruim e perigoso pois a corte teria abandonado o princípio fundamental de que a dúvida deve sempre favorecer o réu.

Folha – O senhor já falou que o julgamento teve um lado bom e um lado ruim. Vamos começar pelo primeiro.

Ives Gandra Martins – O povo tem um desconforto enorme. Acha que todos os políticos são corruptos e que a impunidade reina em todas as esferas de governo. O mensalão como que abriu uma janela em um ambiente fechado para entrar o ar novo, em um novo país em que haveria a punição dos que praticam crimes. Esse é o lado indiscutivelmente positivo. Do ponto de vista jurídico, eu não aceito a teoria do domínio do fato.

Por quê?

Com ela, eu passo a trabalhar com indícios e presunções. Eu não busco a verdade material. Você tem pessoas que trabalham com você. Uma delas comete um crime e o atribui a você. E você não sabe de nada. Não há nenhuma prova senão o depoimento dela –e basta um só depoimento. Como você é a chefe dela, pela teoria do domínio do fato, está condenada, você deveria saber. Todos os executivos brasileiros correm agora esse risco. É uma insegurança jurídica monumental. Como um velho advogado, com 56 anos de advocacia, isso me preocupa. A teoria que sempre prevaleceu no Supremo foi a do “in dubio pro reo” [a dúvida favorece o réu].

Houve uma mudança nesse julgamento?

O domínio do fato é novidade absoluta no Supremo. Nunca houve essa teoria. Foi inventada, tiraram de um autor alemão, mas também na Alemanha ela não é aplicada. E foi com base nela que condenaram José Dirceu como chefe de quadrilha [do mensalão]. Aliás, pela teoria do domínio do fato, o maior beneficiário era o presidente Lula, o que vale dizer que se trouxe a teoria pela metade.

O domínio do fato e o “in dubio pro reo” são excludentes?

Não há possibilidade de convivência. Se eu tiver a prova material do crime, eu não preciso da teoria do domínio do fato [para condenar].

E no caso do mensalão?

Eu li todo o processo sobre o José Dirceu, ele me mandou. Nós nos conhecemos desde os tempos em que debatíamos no programa do Ferreira Netto na TV [na década de 1980]. Eu me dou bem com o Zé, apesar de termos divergido sempre e muito. Não há provas contra ele. Nos embargos infringentes, o Dirceu dificilmente vai ser condenado pelo crime de quadrilha.

O “in dubio pro reo” não serviu historicamente para justificar a impunidade?

Facilita a impunidade se você não conseguir provar, indiscutivelmente. O Ministério Público e a polícia têm que ter solidez na acusação. É mais difícil. Mas eles têm instrumentos para isso. Agora, num regime democrático, evita muitas injustiças diante do poder. A Constituição assegura a ampla defesa –ampla é adjetivo de uma densidade impressionante. Todos pensam que o processo penal é a defesa da sociedade. Não. Ele objetiva fundamentalmente a defesa do acusado.

E a sociedade?

A sociedade já está se defendendo tendo todo o seu aparelho para condenar. O que nós temos que ter no processo democrático é o direito do acusado de se defender. Ou a sociedade faria justiça pelas próprias mãos.

Discutiu-se muito nos últimos dias sobre o clamor popular e a pressão da mídia sobre o STF. O que pensa disso?

O ministro Marco Aurélio [Mello] deu a entender, no voto dele [contra os embargos infringentes], que houve essa pressão. Mas o próprio Marco Aurélio nunca deu atenção à mídia. O [ministro] Gilmar Mendes nunca deu atenção à mídia, sempre votou como quis. Eles estão preocupados, na verdade, com a reação da sociedade. Nesse caso se discute pela primeira vez no Brasil, em profundidade, se os políticos desonestos devem ou não ser punidos. O fato de ter juntado 40 réus e se transformado num caso político tornou o julgamento paradigmático: vamos ou não entrar em uma nova era? E o Supremo sentiu o peso da decisão. Tudo isso influenciou para a adoção da teoria do domínio do fato.

Algum ministro pode ter votado pressionado?

Normalmente, eles não deveriam. Eu não saberia dizer. Teria que perguntar a cada um. É possível. Eu diria que indiscutivelmente, graças à televisão, o Supremo foi colocado numa posição de muitas vezes representar tudo o que a sociedade quer ou o que ela não quer. Eles estão na verdade é na berlinda. A televisão põe o Supremo na berlinda. Mas eu creio que cada um deles decidiu de acordo com as suas convicções pessoais, em que pode ter entrado inclusive convicções também de natureza política.

Foi um julgamento político?

Pode ter alguma conotação política. Aliás o Marco Aurélio deu bem essa conotação. E o Gilmar também. Disse que esse é um caso que abala a estrutura da política. Os tribunais do mundo inteiro são cortes políticas também, no sentido de manter a estabilidade das instituições. A função da Suprema Corte é menos fazer justiça e mais dar essa estabilidade. Todos os ministros têm suas posições, políticas inclusive.

Isso conta na hora em que eles vão julgar?

Conta. Como nos EUA conta. Mas, na prática, os ministros estão sempre acobertados pelo direito. São todos grandes juristas.

Como o senhor vê a atuação do ministro Ricardo Lewandowski, relator do caso?

Ele ficou exatamente no direito e foi sacrificado por isso na população. Mas foi mantendo a postura, com tranquilidade e integridade. Na comunidade jurídica, continua bem visto, como um homem com a coragem de ter enfrentado tudo sozinho.

E Joaquim Barbosa?

É extremamente culto. No tribunal, é duro e às vezes indelicado com os colegas. Até o governo Lula, os ministros tinham debates duros, mas extremamente respeitosos. Agora, não. Mudou um pouco o estilo. Houve uma mudança de perfil.

Em que sentido?

Sempre houve, em outros governos, um intervalo de três a quatro anos entre a nomeação dos ministros. Os novos se adaptavam à tradição do Supremo. Na era Lula, nove se aposentaram e foram substituídos. A mudança foi rápida. O Supremo tinha uma tradição que era seguida. Agora, são 11 unidades decidindo individualmente.

E que tradição foi quebrada?

A tradição, por exemplo, de nunca invadir as competências [de outro poder] não existe mais. O STF virou um legislador ativo. Pelo artigo 49, inciso 11, da Constituição, Congresso pode anular decisões do Supremo. E, se houver um conflito entre os poderes, o Congresso pode chamar as Forças Armadas. É um risco que tem que ser evitado. Pela tradição, num julgamento como o do mensalão, eles julgariam em função do “in dubio pro reo”. Pode ser que reflua e que o Supremo volte a ser como era antigamente. É possível que, para outros [julgamentos], voltem a adotar a teoria do “in dubio pro reo”.

Por que o senhor acha isso?

Porque a teoria do domínio do fato traz insegurança para todo mundo.

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*Mônica Bergamo publicou esta entrevista na Folha de S. Paulo.

16 de setembro de 2013

Getúlio Vargas em Araxá

Vídeo da visita de Getúlio Vargas e Benedito Valadares ao Barreiro de Araxá/MG em início dos anos 1940.

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