MST: Lampião ou Prestes

Houve uma vez, em 1926, no tempo em que a Coluna revolucionária de Miguel Costa e Luís Carlos Prestes enfrentava as forças do governo constituído do presidente Artur Bernardes; que os rebeldes passavam pelo árido sertão nordestino depois de um ano e meio do início do levante na cidade de São Paulo.

Decepcionado com as constantes derrotas das tropas legalistas, o governo federal concordou com a sugestão do deputado federal da Bahia, Floro Bartolomeu, de utilizar a violência dos cangaceiros, mais bem acostumados com o ecossistema da caatinga, na extinção do fogo da revolução brasileira.

Aproveitando-se de sua amizade com Padre Cícero, Floro decidiu organizar os “batalhões patrióticos” na cidade de Juazeiro, no estado do Ceará; local onde o líder político-religioso octogenário refugiava inúmeros fora-da-lei. Quem ali fosse aceito pelo Padim Ciço podia sossegar, pois como ele mesmo dia “aqui eu sou major, Câmara, juiz, chefe de polícia, comandante militar, polícia e carcereiro!”.

Disposto a tornar o exército de cangaceiros imbatível, Floro resolveu convidar o pistoleiro que o sertanejo considerava ser o demônio em pele de gente: Virgulino Ferreira da Silva, conhecido pela alcunha de Lampião, o rei do cangaço. No Rio de Janeiro, a imprensa oficial comparava há algum tempo as bandidagens de Lampião e de Prestes. Os dois eram tratados como gente do mal que ameaçava o povo do bem.

Assis Chateaubriand, dono dos Diários Associados, indignava-se n’O Jornal com tal comparação, pois para ele “Lampião é bandido, um salteador vulgar, um miserável que assassina para roubar” enquanto “Prestes é um revolucionário, e, enquanto não for julgado por um juiz civil ou um conselho de guerra, faz parte do Exército brasileiro”.

De fato, embora Lampião e Prestes agissem contra a estrutura jurídica da sociedade da época, havia algo que os distinguia, que fazia que a causa de um fosse mais justa que a do outro. Era a motivação da ação. Enquanto Lampião agia por vingança às perversidades sofridas pela condição de pobreza, Prestes agia para transformar as próprias condições de pobreza. O primeiro combatia cegamente a conseqüência da causa invisível. O outro tentava atingir a causa visível, o principal. O véu que impedia Lampião de ver o principal era a ignorância aliado à desesperança. É a esperança na condição humana que faz um ato ser crime ou revolução.

Quando Prestes e Lampião eram crianças e sofriam com a injustiça, ouviam dos adultos que aquilo “sempre foi assim…”. Mas, enquanto o fim da frase de Lampião era “… e sempre há de ser assim… nunca há de mudar…”, Prestes ouviu “… mas creio que um dia não há de ser assim. Estuda, não desanimes, talvez um dia tu encontres nos livros uma solução”. A esperança separou os dois guerreiros e o estudo permitiu que o segundo compreendesse as causas da injustiça. Esperança e estudo são assim os pilares de uma verdadeira revolução.

O movimento dos trabalhadores rurais sem terra (MST) parece ter compreendido enfim esta lição. Desde o dia 10 de janeiro de 2012, o MST vem ocupando sedes das prefeituras municipais para reivindicar melhorias na educação local. Eles já têm esperança, falta estudo. Dentre as cidades ocupadas, está Juazeiro do Padre Cícero. Se o movimento deixar de utilizar uma estratégia meramente vingativa de invasão e depredação do patrimônio privado, passando a focar o Estado em vistas de suas reivindicações, aí o MST deixará de ser Lampião para se tornar Prestes.

Depois de receber de bom grado todas as benesses do Estado para combater Prestes, inclusive uma patente do Exército Nacional, o vaidoso Lampião dá entrevistas, posa para fotos, saúda o povo e parte de volta ao seu campo de batalha. Sente ódio dos poderosos, dos ricos. Poucos têm muito ao lado de muitos que têm pouco. “Que injustiça!” Ele não sabe contra quem luta. A raiva cega seu coração, que, entretanto, murmura quase inaudivelmente que seu inimigo não é a Coluna. Lampião pela segunda vez toma caminho diverso daquele de Prestes.

Os comandos de Lampião e Prestes, no Brasil dos anos 1920.

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